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Não precisamos do Oscar
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Não precisamos do Oscar

Por que o brasileiro precisa tanto da validação externa? No cinema como no futebol ou em tantas outras áreas
Tipo Opinião
OSCAR celebra a indústria do cinema dos EUA (Foto: Valerie Macon | AFP)
Foto: Valerie Macon | AFP OSCAR celebra a indústria do cinema dos EUA

Claro que é legal ter produção brasileira indicada ao Oscar, e ainda mais ver reconhecida uma atriz como Fernanda Torres. E ter um concorrente na categoria de melhor filme é mais legal ainda. Aquece o coração ver a felicidade de uma artista talentosa e querida como Fernanda. Mas, acho que é isso: legal. Para começar, dá-se valor demais ao Oscar. Porém, há algo mais profundo, e é por isso que trago o assunto para uma coluna de política — além do fato de se tratar de uma obra política. Refiro-me à necessidade de validação internacional do brasileiro. Há uma questão de autoestima.

Ainda estou aqui é um grande filme, que é muito visto aqui e fora, recebe elogios, tem repercussão. A função dele como criação artística está cumprida de forma plena, não precisa de um prêmio para dizer que é melhor que outros filmes. Se tiver esse reconhecimento, bacana. É um prêmio de muita projeção, fará com que seja mais visto no mundo todo, gere mais dinheiro e dê um necessário impulso à produção nacional. Mas, ganhar o Oscar não pode ser mais importante que o filme em si.

Levo a questão para outra área: Vinícius Júnior acaba de vencer o prêmio de melhor jogador do mundo da Fifa. Que legal, ainda mais pelo cara legal que ele é, por tudo que ele enfrenta, pelo símbolo que é no combate ao racismo. Mas, é isso: legal. Um brasileiro não levava a premiação desde Kaká, em 2007, o que vinha abalando a autoestima dos torcedores nesse campo numa área tão cara ao imaginário nacional como o futebol. Porém, Vinícius já havia conquistado os principais títulos, duas vezes decidiu o maior torneio de clubes do planeta. Parecia que era legal ele ganhar a Champions League para ser o melhor do mundo. Ora, o título é muito mais relevante que o prêmio da Fifa. O que ele conquistou em campo não pode ter menos peso que uma premiação numa votação subjetiva, com muitos ingredientes políticos presentes.

E aí volto ao Oscar. Importante entender se tratar de um prêmio da indústria do cinema. E da indústria dos Estados Unidos. Isso se sobrepõe à questão da arte. Há forte peso do lobby — e nem Ainda estou aqui nem filme nenhum entra no jogo sem isso. Sem dúvida, o capital que acompanha o sobrenome Moreira Salles foi fundamental. Isso não diminui o filme nem o prêmio. O Oscar é o que ele é. E tem o tamanho da importância que tem para Ainda estou aqui. Vale lembrar, grandes, enormes obras da história do cinema foram ignoradas pelo Oscar. Quando se fala de filmes não falados em inglês, então, ainda mais. E são lembrados décadas e décadas depois, ao passo que vencedores recentes foram esquecidos.

Recentemente, brasileiros ficaram muito contentes com os elogios de uma moça dos Estados Unidos a Machado de Assis. É muito bom saber, principalmente, que pessoas de outros idiomas estão tendo acesso a boas traduções do Machado. Mas, precisava da manifestação de algum estrangeiro para saber se tratar de um dos maiores escritores do mundo em todos os tempos?

O quanto precisamos da validação dos outros?

Nelson Rodrigues falava do “complexo de vira-latas” ao escrever sobre o brasileiro nas copas do mundo. O futebol é traço cultural importante para entender o brasileiro. Sentir-se cinco vezes melhor do mundo foi aspecto importante para a autoestima nacional. Não basta sermos bons, é preciso que o mundo reconheça isso.

Donald Trump disse esta semana que os Estados Unidos não precisam do Brasil e muita gente ficou chateada — e isso nem de longe foi o que de pior e mais distante da verdade ele falou.

Torço para o filme e Fernanda levarem o prêmio. Será uma apoteose na noite de domingo de Carnaval, já pensou? Se não ganhar, não será motivo para atravessar o samba, interromper o frevo, para o bloco não sair. Parafraseando o outro lá, Ainda estou aqui não precisa do Oscar para ser apreciado, reconhecido e festejado.

Foto do Érico Firmo

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