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Semeando jardineiros urbanos
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Jornalista, divulgador científico e professor da Universidade Federal de Rondonópolis. É doutor em ecologia pela Universidade Autônoma de Madrid, Espanha

Fabio Angeoletto meio ambiente

Semeando jardineiros urbanos

É um indício de fracasso dessas campanhas de distribuição de mudas o não acompanhamento das árvores, pelas prefeituras. Quantas são efetivamente plantadas? Quais são as condições ambientais dos locais de plantios? O solo é fértil?
Árvore Pau-Brasil (Foto: Ibama/Divulgação)
Foto: Ibama/Divulgação Árvore Pau-Brasil

O biólogo Diego Carmona Moreno Bello e seus colegas, em artigo para o periódico científico “Boletín de la Sociedad Científica Mexicana de Ecología”, debatem os desafios socioambientais das cidades da América Latina, e sobre como superá-los. A arborização – ou a falta dela, posto que nossas cidades são como bocas banguelas, com uma árvore aqui e outra muito acolá – é um desses desafios.

São muito comuns, em efemérides como o Dia da Árvore, eventos de distribuição de mudas de árvores nas cidades brasileiras. A prefeitura monta um estande na praça, e algumas centenas de mudas são distribuídas. Ou milhares, pois o que importa são os números. Os gestores publicam fotos no Instagram, e o prefeito reafirma seu comprometimento com as causas ambientais. Sem embargo, os cientistas mexicanos questionam o clichê de que simplesmente plantar mais árvores seria o bastante para resolver os problemas da cidade. Árvores plantadas em ações planificadas, frutos de políticas específicas para as florestas urbanas, têm taxas de sobrevivência mais altas do que aquelas provenientes de campanhas em massa.

É um indício de fracasso dessas campanhas de distribuição de mudas o não acompanhamento das árvores, pelas prefeituras. Quantas são efetivamente plantadas? Quais são as condições ambientais dos locais de plantios? O solo é fértil? Qual é o conhecimento dos moradores para o manejo das mudas? Quantas árvores os moradores permitiriam em seus quintais? Qual é o suporte técnico oferecido pelas prefeituras?

Em um capítulo do livro “Ecology of Tropical Cities”, Carmona e cientistas do Brasil, Europa e África relatam um experimento de distribuição de mudas de frutíferas a moradores de bairros de Sarandi (PR). Os biólogos calcularam que, em 1.280 quintais de quatro bairros, poderiam ser introduzidas 11.325 mudas. Entretanto, mesmo com as mudas sendo oferecidas de casa em casa, gratuitamente, apenas 3.066 árvores (27%) foram plantadas. Os motivos para a recusa das famílias em aceitar mais árvores em seus quintais incluíam cultura alimentar (frutas tinham pouco espaço em suas dietas) e planos de aumento da área construída de suas vivendas.

Os autores do artigo e do capítulo advogam a necessidade de repensarmos a arboricultura urbana, treinar jardineiros e arboristas competentes e reconhecer que a infraestrutura verde não pode ser sustentada sem apoio técnico e social de longo prazo. Campanhas de plantio em massa que não são acompanhadas por uma gestão subsequente acabam sendo esforços simbólicos, mais vinculados à publicidade do que à sustentabilidade. Devemos ter em consideração que tão importante quanto plantarmos árvores é semearmos jardineiros urbanos.

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