Logo O POVO+
Entre o Tao e o Vale do Silício
Foto de Gal Kury
clique para exibir bio do colunista

Professora em MBAs de Marketing do IBMEC Business School e da Unifor. Consultora na Gal Kury Marketing & Branding.

Gal Kury opinião

Entre o Tao e o Vale do Silício

trabalhar demais não é sinônimo de valor. O futuro não precisa ser uma esteira sem pausa. Pode ser ponte entre o fazer e o ser. Entre tecnologia e sabedoria. Entre o Vale do Silício e o Tao

No Rio, entre uma estação e outra da vida, eu fazia sessões de Tui Na. Uma técnica ancestral chinesa, aplicada por um sacerdote taoísta que havia morado anos na China. Com gestos precisos, ele empurrava e sustentava meus músculos, como quem lê mapas invisíveis do corpo, restaurando o fluxo do Qi, essa energia vital que, quando flui bem, equilibra Yin e Yang, previne doenças e harmoniza a alma.

Em uma dessas sessões, o sacerdote me explicou que, no Taoismo, o segredo está no ritmo. O dia se divide: manhã é Yang, expansão, ação. Noite é Yin, recolhimento, escuta. É preciso respeitar o ciclo. Trabalhar, sim. Mas também silenciar. Nutrir o corpo, mas também o espírito.

Lembrei disso ao ler, estarrecida, sobre a escala 996 - 9h às 21h, seis dias por semana - rotina adotada por empresas de tecnologia na China e agora por startups do Vale do Silício. Vendem isso como "alta performance". Oferecem café da manhã, almoço e jantar no escritório. Aos sábados, inclusive. Mas não oferecem tempo.

O custo? Ansiedade, burnout, insônia, doenças cardíacas. Vidas aceleradas até o esgotamento. Relações sociais e familiares esfareladas. E uma cultura que confunde produtividade com sacrifício. Mesmo na China, essa escala já foi alvo de críticas e considerada ilegal. Mas como toda moda com verniz de inovação, agora surge no Ocidente, vendida como virtude.

Entre o Tao e o Vale do Silício, estamos todos, de alguma forma, tentando encontrar algum sentido. De um lado, uma filosofia milenar que nos convida a seguir o fluxo natural da vida, honrar os ciclos, desacelerar, ouvir o corpo como se ele fosse um campo sagrado. Do outro, um sistema que nos convoca à exaustão, glorifica o excesso, e transforma tempo em moeda.

Talvez o verdadeiro avanço esteja em resgatar o que esquecemos: que trabalhar demais não é sinônimo de valor. O futuro não precisa ser uma esteira sem pausa. Pode ser ponte entre o fazer e o ser. Entre tecnologia e sabedoria. Entre o Vale do Silício e o Tao. E que saibamos, ao menos, caminhar com mais consciência entre esses dois mundos.

Foto do Gal Kury

Análises. Opiniões. Fatos. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?