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Criar a partir das raízes
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Professora em MBAs de Marketing do IBMEC Business School e da Unifor. Consultora na Gal Kury Marketing & Branding.

Gal Kury opinião

Criar a partir das raízes

João Gomes estar no Tiny Desk sem precisar traduzir quem é, sem precisar suavizar o sotaque, trocar o chapéu por um boné de marca, é a prova de que o mundo está, finalmente, disposto a escutar outras fontes
João Gomes vestiu gibão e chapéu de Espedito Seleiro no tapete vermelho no Grammy Latino 2023 (Foto: Juan Naharro/Getty Images/Divulgação)
Foto: Juan Naharro/Getty Images/Divulgação João Gomes vestiu gibão e chapéu de Espedito Seleiro no tapete vermelho no Grammy Latino 2023

Na mesma semana em que se celebra o Dia do Nordestino, um artista da zona rural de Pernambuco aparece no Tiny Desk, um dos palcos mais cultuados da música internacional. É o João Gomes! Ele estar no Tiny Desk sem precisar traduzir quem é, sem precisar suavizar o sotaque, trocar o chapéu por um boné de marca, é a prova de que o mundo está, finalmente, disposto a escutar outras fontes.

É um país que começa a encontrar outras formas de se enxergar, e, portanto, de se projetar para o mundo. E se há algo que esse movimento evidencia é a urgência de inverter a lógica: antes de globalizar, é preciso enraizar. O que emerge disso é mais que uma tendência; é uma orientação de futuro. É o Local First como princípio de desenvolvimento.

O Brasil sempre teve dificuldade em confiar no que nasce fora dos centros. Boa parte das suas elites culturais e econômicas ainda opera com a ideia de que o que vem do interior é um esboço, uma matéria-prima bruta a ser refinada por outras mãos. Um certo Brasil precisa que o outro se "adapte" para ser aceito. E assim, durante muito tempo, fomos empurrando para as bordas tudo o que não cabia na régua dos grandes centros: o sotaque, a oralidade, o improviso, o saber intuitivo, o ritual, o erro.

Há uma demanda crescente por vozes que não tenham passado pelo filtro da homogeneização global. A autenticidade, essa palavra já tão cansada, mas ainda necessária, se tornou não apenas um diferencial simbólico, mas uma força de mercado. E o que o Nordeste brasileiro produz, seja em música, design ou saberes populares, tem circulado com mais autonomia e menos mediação.

O Local First, nesse sentido, não é uma bandeira nostálgica. É um eixo estratégico. Parte da premissa de que é no território, e não fora dele, que se encontra a potência de invenção. Que o desenvolvimento mais promissor não é o que apaga as marcas do lugar, mas o que as reconhece como tecnologia social. E que descentralizar não significa dividir o poder em pedaços, mas redistribuí-lo com inteligência geográfica. PS: valeu Manu, pela dica do Tiny Desk!

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