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A democracia pergunta e a gente não responde
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Colunista de política, Gualter George é editor-executivo do O POVO desde 2007 e comentarista da rádio O POVO/CBN. No O POVO, já foi editor-executivo de Economia e ombudsman. Também foi diretor de Redação do jornal O Dia (Teresina).

A democracia pergunta e a gente não responde

Elaborei um conjunto de questionamentos que buscam fazem uma retrospectiva do que aconteceu nos últimos anos no Brasil e que, num processo cumulativo, ajudam a entender a dura caminhada que nos trouxe a um presente complicado e nos encaminha para um futuro incerto
Tipo Opinião
2109gualter (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos 2109gualter

Quem se imagina apto ao exercício democrático e identifica como sua marca principal o respeito às instituições e a tolerância com o diferente, segue com dificuldades para entender o que acontece à volta. É duro ver a transformação de pessoas com as quais se convivia até outro dia na defesa destes mesmos valores, mudando, de repente, e passando a agir com um nível assustador de radicalismo, a partir de convicções novas inabaláveis e que não oferecem brecha para qualquer discussão.

Há necessidade de atestar que, em geral, é uma atitude marcadamente vinculada ao movimento que se organiza em torno da figura do ex-presidente Jair Bolsonaro, muito embora se estenda também, em menor monta, a outros espaços políticos. Refleti sobre o quadro e, a partir disso, elaborei um conjunto de questionamentos que buscam fazem uma retrospectiva do que aconteceu nos últimos anos no Brasil e que, num processo cumulativo, ajudam a entender a dura caminhada que nos trouxe a um presente complicado e nos encaminha para um futuro incerto. O que é assustador.

Divido com o leitor as dúvidas que não consegui responder e que, no fundo, indicam as responsabilidades que todos temos, como sociedade, quando deixamos que sejam naturalizadas situações que expõem um quadro de doença social muito evidente.

1) Em qual momento passamos a entender como normal que durante uma reunião ministerial, com todo peso institucional que elas devem ter, o presidente da República faça uma cobrança pública de mudança na equipe da Polícia Federal do estado onde sua família mora, o Rio de Janeiro, no caso, pela casuística razão de precisar "proteger seus filhos e amigos de sacanagens"?

2) Quando é que começamos a entender como aceitável o registro de um ministro da Educação, posto que Abraham Weintraub ocupava na época, chamando gratuitamente os juízes da Suprema Corte de "vagabundos que deveriam estar na cadeia", durante uma reunião oficial de governo, sem que tenha sido admoestado por ninguém, concordando-se ou não com o que dizia, com destaque especial para omissão do seu chefe maior, a quem competiria zelar pelo respeito e harmonia entre os poderes?

3) O que consegue justificar a forma passiva como a sociedade reagiu ao fato político grave exposto em discurso do presidente da República, ao participar de um ato público, no qual atacou um ministro do STF, citando o nome dele (Alexandre de Moraes) na ocasião para cobrar que ele deixasse de tomar decisões que incomodavam o governo e anunciar, blefando, que não mais cumpriria a partir dali os despachos que tivessem sua assinatura?

4) Faz sentido que tenhamos assumido uma atitude passiva diante de um episódio no qual o presidente da República chama os representantes diplomáticos no País para um encontro oficial, no qual se dedica a tentar convencê-los de que o nosso sistema eletrônico de votação é inconfiável, colocando em dúvida, portanto, o próprio processo democrático?

5) Como explicar o conivente silêncio de resposta que oferecemos diante do registro sistemático de imagens, em atos espalhados pelas cidades brasileiras, nas quais se fazia apelos abertos por "intervenção militar", "fechamento de STF", "fechamento de Congresso" etc, como se fossem ideias aceitáveis dentro de um ambiente democrático?

6) Qual o sentido de haver quem, de boa fé em alguns casos, minimize a descoberta, feita no âmbito da investigação de tentativa de golpe de Estado, de que gente ligada ao gabinete presidencial naquele momento, fase de transição entre o governo anterior e o atual, elaborou um plano que previa os assassinatos do presidente eleito, seu vice e do ministro do Supremo ao qual se atribui uma responsabilidade fantasiosa pelo resultado eleitoral desfavorável?

7) Por que se decidiu que seria possível conviver com aqueles acampamentos nas proximidades de unidades militares de várias cidades, com gente mobilizada para, já depois de definida a eleição pelo voto, exigir, de maneira aberta, uma atitude das Forças Armadas, que àquela altura precisaria ser violenta, para reverter o que as urnas haviam apontado como desejo de uma maioria de eleitores?

8 Como perdemos a sensibilidade cidadã para estabelecer em nós uma indignação perene, que o passar do tempo não fosse capaz de amenizar como tem acontecido em casos que conheço, com as imagens de destruição das sedes dos poderes da República por uma turba sem controle que sabia o que estava fazendo e, imagina-se, tinha consciência de que poderia ser chamada a pagar pelos seus atos?

E o futuro?

As situações relatadas, em forma de indagação, foram escolhidas dentro de um conjunto de outras disponíveis e dizem respeito ao Brasil com o qual fomos meio que obrigados a nos acostumar desde a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência da República, com seu estilo muito (im)próprio e desruptivo (no sentido destrutivo da palavra).

Fizemos mal, até agora, apostando na ideia de que era uma situação a ser absorvida e que o tempo cuidaria de acomodar as coisas, trazendo o rio de volta ao leito. O mau exemplo de Bolsonaro, e não há outra forma de definir a maneira como exerceu o poder institucional e opera agora sua liderança política, indica que uma caminhada longa nos espera até que o objetivo da recuperação da normalidade seja alcançado. Se é que será.

De olho na "pacificadora"

Fonte da coluna encaminha uma sequência de fotos de evento realizado na semana pelo governo estadual, para premiar escolas públicas, nas quais a ex-governadora Izolda Cela aparece muito à vontade ao lado de Elmano de Freitas e de Camilo Santana, dentre outras figuras. Junto com as imagens, recado curto e enigmático: "Atente a esses sinais. Bom dia". Pedi mais informação e voltou uma referência à disputa de seis ou sete nomes pelas vagas ainda em aberto na formação da chapa majoritária governista e a pista de que impasses do tipo "em geral são resolvidos por nomes pacificadores". É o caso de olhar os tais "sinais", então.

O estica e puxa de Ciro

O movimento pró-Ciro Gomes candidato de oposição ao Governo do Ceará intensificou suas ações na semana diante da reaparição do nome dele no cenário nacional, pontuando bem, diante das circunstâncias, em pesquisas que foram divulgadas sobre sucessão presidencial. Por isso, inclusive, é que o presidente nacional do PL, Valdemar da Costa Neto, foi instado a dar uma declaração indicando disposição do partido de apoiar Ciro, caso ele aceita entrar na disputa estadual. O problema, por outro lado, é que o mesmo movimento atiçou a parcela local do partido que é contra a ideia, abraçada ao passado dele (inclusive recente) antibolsonarista, o que indica que não seria uma coisa pacífica.

Oposição faz oposição

Parece haver gente no governo estadual precisando entender que o papel da oposição, sejamos redundantes para ajudar, é fazer oposição. Portanto, são naturais, justificáveis e necessárias as cobranças à estrutura de segurança diante da demonstração de ousadia do crime através dos tais foguetórios das noites de terça e quarta passadas. Isso não significa estar ao lado dos criminosos, como cheguei a ouvir, e o projeto de reeleição de Elmano de Freitas passa por resposta eficiente e perceptível. Apenas despejar números de prisões, reforço de tropa e outras estatísticas positivas, embora reais, não tem sido suficiente para abafar os fogos.

 

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