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A Economia Profunda: o caminho para um futuro regenerativo
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Fazendeiro, empreendedor e designer de transição na Fazenda do Futuro e no EcoAraguaia Hotel Floresta dedicando-se a criar um modelo de vida, trabalho e educação comunitário e biorregional em harmonia com a natureza. Com mais de duas décadas de experiência em redes colaborativas no mundo corporativo, Guilherme agora se dedica à implementação de uma comunidade agro-empreendedora com 120 familias vivendo e produzindo através de sistemas integrados de produção na amazonia Tocantinense

A Economia Profunda: o caminho para um futuro regenerativo

Desde que nos mudamos para a floresta amazônica tocantinense, em 2020, e nos unimos em casamento em 2023, nossas vidas tornaram-se um experimento vivo de transformação
A economia profunda: o caminho para um futuro regenerativo (Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves A economia profunda: o caminho para um futuro regenerativo

Vivemos um tempo de encruzilhadas. O modelo econômico vigente, com sua sede insaciável por crescimento, empurrou-nos a crises climáticas, sociais e espirituais sem precedentes.

Diante desse colapso, emerge um chamado urgente — não por um simples ajuste, mas por uma revolução silenciosa e profunda. É a Economia Profunda que se anuncia: um movimento de redesenho da nossa forma de viver, produzir e nos relacionar.

Essa visão nasce tanto da experiência quanto da contemplação. Ela é inspirada pela Ecologia Profunda de Joanna Macy, pela tríade “Solo, Alma e Sociedade” de Satish Kumar e pela visão planetária de Gaia. Mas também floresce de uma história pessoal: a nossa.

Desde que nos mudamos para a floresta amazônica tocantinense, em 2020, e nos unimos em casamento em 2023, nossas vidas tornaram-se um experimento vivo de transformação.

Na Fazenda do Futuro, conviveremos com 120 famílias em busca de um viver e trabalhar em sincronia com a natureza. O projeto, que chamamos de “farm village” ou fazenda-aldeia, tornou-se um laboratório de regeneração — um espaço de experimentação social, ecológica e espiritual, onde a vida cotidiana revela o que significa realmente viver a partir da interdependência e do pertencimento.

A Fazenda do Futuro é guiada por sete dimensões de evolução, e uma delas, “Empreender em Rede”, expressa o coração dessa nova forma de agir no mundo.

A integração entre todas essas dimensões exige um novo olhar sobre a vida, uma nova maneira de criar valor e de compreender o que é prosperar. Assim nasce a ideia da Economia Profunda — um chamado a perceber-nos como seres Gaianos, células conscientes de um grande organismo vivo: a Terra.

Nessa perspectiva, prosperidade deixa de significar acúmulo e passa a significar abundância compartilhada. A ética que a sustenta é uma ética de pertencimento e compaixão ativa. A Economia Profunda não extrai: ela regenera. Não transforma vida em mercadoria: transforma relação em valor. É uma economia simbiótica, que cultiva, aprende e se renova com os ciclos metabólicos da natureza.

Mas como essa economia se manifesta no mundo real? A resposta está profundamente enraizada na cultura.

Não existe uma economia universal; existem muitas economias possíveis, moldadas pelos valores e cosmovisões de cada povo.

O fio invisível que une essas múltiplas expressões é a lógica da dádiva. A dádiva não é uma economia alternativa, mas o próprio coração da cultura humana.

Dar, receber e retribuir são gestos que constroem confiança, tecem pertencimento e fortalecem os laços sociais. Sem dádiva não há comunidade; sem comunidade, não há futuro.

Nesse mosaico de culturas e valores, quatro pilares se destacam. Geert Hofstede mostrou que dimensões como individualismo e coletivismo moldam a forma como os povos organizam sua vida econômica, revelando que há muitas maneiras de equilibrar o “eu” e o “nós”.

A Economia da Comunhão propõe a partilha como prática viva: o lucro deixa de ser fim em si mesmo e torna-se expressão de cuidado, transformando empresas e comunidades em espaços de solidariedade e regeneração.

As cosmovisões indígenas nos lembram que a economia é uma teia de relações — um ciclo de reciprocidade onde a Terra é um ser sagrado, não um recurso a explorar.

E a Lei do Tempo, expressa no Sincronário da Paz, convida a uma nova percepção do ritmo da vida, em harmonia com os ciclos naturais e cósmicos, lembrando que regenerar o planeta também é regenerar nossa relação com o tempo.

Essas tradições, embora diversas, convergem em torno da mesma força vital: a dádiva. Ela é o fio que costura os diferentes modos de viver, mostrando que todas as culturas, em sua essência, buscam restaurar a comunhão entre o humano e o planeta.

A Economia Profunda é, portanto, mais do que um ideal filosófico. É uma prática viva, que se manifesta em políticas públicas de regeneração, em empresas que operam em redes circulares, em comunidades que colocam o bem-viver acima do lucro e em formas de educação que cultivam cidadãos planetários. Ela também se expressa em rituais, celebrações e gestos cotidianos que restauram nossa reverência pela Terra.

Viver segundo a Economia Profunda é aceitar o convite para existir como parte da natureza, cuidando do solo, da alma e da sociedade. É reconhecer que cada decisão, por menor que pareça, tem poder de regenerar ou degradar. É cultivar uma esperança ativa, aquela que não nega o colapso, mas o transforma em renascimento.

Que cada um de nós possa ser tecelão dessa nova economia — uma economia que floresce não à custa da vida, mas em comunhão com ela. O futuro depende não apenas das grandes decisões políticas ou empresariais, mas das incontáveis pequenas escolhas que fazemos todos os dias. Economia Profunda é a arte de viver como parte de Gaia.

Foto do Guilherme Tiezzi

Este é o primeiro artigo da série 'Economia Profunda'. Confira o próximo texto dia 29 de outubro, no perfil de Raquel Acácio. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

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