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Efeito calor: ar-condicionado vira necessidade e aumenta demanda por energia
Reportagem Seriada

Efeito calor: ar-condicionado vira necessidade e aumenta demanda por energia

De item de luxo a essencial, aparelho ainda é inacessível e, paradoxalmente, ajuda a aquecer um planeta que já ferve. Ondas de calor extremo dispararam venda desses equipamentos e puxaram aumento no consumo de energia elétrica no País — mas não representam risco de sobrecarga, segundo especialistas
Episódio 1

Efeito calor: ar-condicionado vira necessidade e aumenta demanda por energia

De item de luxo a essencial, aparelho ainda é inacessível e, paradoxalmente, ajuda a aquecer um planeta que já ferve. Ondas de calor extremo dispararam venda desses equipamentos e puxaram aumento no consumo de energia elétrica no País — mas não representam risco de sobrecarga, segundo especialistas
Episódio 1
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As ondas de calor "Designa-se como onda de calor uma sequência de ao menos três dias consecutivos com temperaturas máximas ou mínimas mais altas do que as esperadas para a mesma região e para a mesma época do ano." , reflexo da crise climática que atinge o planeta, estão mais duradouras, intensas e frequentes — e têm um alto custo econômico e para a saúde humana.

Com recordes de temperaturas, 2023 foi considerado por cientistas o ano mais quente já registrado na história da Terra. Durante esses 12 meses, o Brasil enfrentou pelo menos nove episódios de onda de calor, reflexos do aumento da temperatura média global e dos impactos do fenômeno El Niño "Aquecimento acima da média das águas do Oceano Pacífico Equatorial." .

Em grandes centros urbanos como Fortaleza, onde existem poucas áreas verdes e um excesso de prédios e ruas pavimentadas, os efeitos da crise climática são exacerbados pelas ilhas de calor — e permanecer em casa, no trabalho, nos locais de lazer ou no transporte que leva de um até outro torna-se uma tarefa incômoda sem o conforto térmico proporcionado pelos aparelhos de ar-condicionado.

Se o aumento das temperaturas faz crescer o número de aparelhos de ar-condicionado, a grande quantidade desses equipamentos contribui para provocar mais calor, o que cria o chamado paradoxo do ar-condicionado(Foto: Skowalewki/Pixabay)
Foto: Skowalewki/Pixabay Se o aumento das temperaturas faz crescer o número de aparelhos de ar-condicionado, a grande quantidade desses equipamentos contribui para provocar mais calor, o que cria o chamado paradoxo do ar-condicionado

Em um passado não muito distante, esse item era um luxo exclusivo para poucos, um deleite reservado a ambientes corporativos ou residências de alto padrão. Hoje, porém, essa máquina de alívio térmico se estabeleceu como uma necessidade doméstica — que, por outro lado, também potencializa o consumo de energia elétrica no País.

A mais recente edição da Resenha Mensal do Mercado de Energia Elétrica, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), mostra que o consumo nacional de eletricidade foi de 46.407 GWh em novembro de 2023, alta de 8,5% em comparação com novembro de 2022 e, pelo segundo mês consecutivo, o maior consumo de toda a série histórica desde 2004.

Como em outubro, impulsionado pelas ondas de calor, as classes residencial e comercial registraram taxas de expansão de dois dígitos — assim como o consumo industrial, que também avançou e contribuiu para a alta.

Consumo industrial de energia elétrica por setor


A tendência é de que o calor extremo aqueça as vendas desse tipo de eletrodoméstico: um estudo conduzido por cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sobre emissão de CO2 aponta que 85% das famílias brasileiras terão ar-condicionado em 2040.

Com essa perspectiva, os gastos com eletricidade devem limitar ainda mais as oportunidades entre famílias de baixa renda, que enfrentarão situações de potencial desconforto térmico. Na outra ponta, a demanda por grandes quantidades extras de energia para alimentar os novos aparelhos terá como consequência as emissões adicionais de gás carbônico — e o ciclo continua.

O grupo de pesquisadores da UFRJ investigou as relações entre aquecimento global, renda e demandas de eletricidade e resfriamento no Brasil, o que levou à conclusão de que, sem ações para combater os efeitos da crise climática, o uso de equipamentos de ar-condicionado vai dobrar na próxima década.

Um grupo de mulheres se refresca em frente a um ventilador durante uma onda de calor enquanto faz fila na entrada do Coliseu, em Roma(Foto: ALBERTO PIZZOLI / AFP)
Foto: ALBERTO PIZZOLI / AFP Um grupo de mulheres se refresca em frente a um ventilador durante uma onda de calor enquanto faz fila na entrada do Coliseu, em Roma

A Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava) aponta que 20% das residências brasileiras já possuem pelo menos um aparelho de ar-condicionado em operação — e que esse aparelho caminha para tornar-se popular, tão importante quanto a geladeira passou a ser há 100 anos.

Embora não pareça, a refrigeração é um método relativamente novo. Muito antes do copo Stanley, do cooler ou das marmitas térmicas, durante milênios as pessoas tiveram de pensar em maneiras criativas de manter alimentos e bebidas conservados sem um equipamento que ajudasse a fazer isso — da neve às fábricas de gelo.

Somente no século passado é que o Brasil teve contato com os primeiros refrigeradores de uso doméstico, ainda bem distantes das camadas mais pobres da sociedade.

Duas pessoas observam em uma loja uma fila de geladeiras brancas em exposição(Foto: Fábio Rodrigues/Agência Brasil)
Foto: Fábio Rodrigues/Agência Brasil Duas pessoas observam em uma loja uma fila de geladeiras brancas em exposição

A primeira geladeira brasileira saiu de uma pequena fábrica de anzóis de Brusque, em Santa Catarina, no ano de 1947 — pelas mãos inventivas de Rudolf Stutzer, descendente de alemães que deu origem à tradicional marca de eletrodomésticos Consul.

Com técnicas aprimoradas por inventores de todo o mundo, esse importante avanço da civilização moderna abriu caminho para que o ar-condicionado também mudasse a forma de viver da humanidade.

Apesar de restrito a lugares frequentados pela elite, como cinemas e teatros, esse novo método de proporcionar conforto térmico chegou às residências e caminha para deixar de ser um item de luxo e tornar-se essencial.

Na Praça do Ferreira, no Centro de Fortaleza, o calor mudou o cenário das vendas(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Na Praça do Ferreira, no Centro de Fortaleza, o calor mudou o cenário das vendas

Apesar das crescentes preocupações sobre a demanda energética, especialistas asseguram que, por enquanto, não há risco de sobrecarga no sistema elétrico motivado pelos ares-condicionados, e que as estratégias de gestão da energia e investimentos em infraestrutura têm conseguido acompanhar o ritmo da procura crescente por ar-condicionado.

Na avaliação de Francisco Queiroz, que é gerente de manutenção da Enel Ceará, empresa responsável pela distribuição de energia no Estado, o cenário desenhado pela associação “não representa nenhum risco de sobrecarga do sistema”.

Isso porque, segundo Queiroz, “o consumidor, o cliente residencial, que utiliza a refrigeração na casa, ele produz uma demanda que não coincide com a demanda máxima industrial. Além do mais, são demandas bastante espalhadas, não são demandas concentradas e, numa mesma cidade, existem vários pontos de suprimento. Então não há risco de sobrecarga motivado por um incremento de 20% na utilização de ar-condicionado”.

Enel, concessionária de energia do Ceará(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Enel, concessionária de energia do Ceará

O gerente da Enel Ceará garante que “todas as demandas do sistema elétrico são acompanhadas de maneira macro em cada subestação por um sistema de monitoramento permanente onde se sabe o carregamento atual não só dentro da subestação, mas para cada circuito independente”.

Há, ainda, equipamentos de proteção que são organizados e programados para atuar em caso de sobrecarga e sinalizar com antecedência o trecho afetado.

Conforme observa Queiroz, “as ondas de calor representam, sim, um aumento perceptível na demanda, mas tudo isso é possível de se controlar, pois existe monitoramento de demanda nas subestações, nos alimentadores, que são os circuitos que levam até as casas”.

Consumo de energia elétrica e os avisos de desigar a luz (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil Consumo de energia elétrica e os avisos de desigar a luz

Quando necessário, salienta o gerente de manutenção, “é utilizado o instrumento de transferência de carga entre um circuito e outro, de modo que é possível fazer o ajuste de demanda de um circuito para outro, de uma subestação para outra e, assim, manter o sistema operando de maneira equilibrada”.

Queiroz reforça que “hoje os sistemas elétricos, principalmente o que a gente tem apoiando hoje todo o suporte energético do Ceará, possuem 4.700 equipamentos telecontrolados. Temos sistema de self healing (auto recomposição, em tradução livre) que se automonitora e faz transferências no caso de falha, sobrecarga. Então é muito importante que a sociedade saiba que por trás de um sistema elétrico, hoje, tem muita tecnologia”.

Através desses equipamentos telecomandados, como explica o gerente, é possível “agilizar a atuação em campo, reduzir a área afetada e direcionar melhor as equipes que farão eventuais reparos”. “E consequentemente a recomposição ocorre de maneira mais rápida, o que melhora a qualidade de vida das pessoas que precisam da energia elétrica”, pontua.

Conheça o consumo estimado dos principais aparelhos elétricos da sua residência


Quase 90% das empresas de comércio de ar-condicionado foram impactadas positivamente pela onda de calor — e dados preliminares das vendas de 2023 sinalizam um crescimento acima de 20% em relação a 2022, expectativa que tende a se manter em 2024.

É o que aponta uma pesquisa do departamento de economia e estatística da Abrava com as empresas associadas, conforme detalha o engenheiro Arnaldo Basile, presidente executivo da Associação.

“Considerando-se que os impactos do El Niño devem permanecer neste primeiro trimestre de 2023, esperamos que haja impacto positivo sobre as vendas, especialmente dos equipamentos residenciais. Nossa expectativa é de que as vendas em 2024 cresçam em torno de 15% em relação a 2023”, explana.

 

“Naturalmente, havendo um aumento da procura por esses itens, houve um aumento de preços. Segundo dados do IBGE, até novembro de 2023 os condicionadores de ar residenciais tiveram aumento de preços de cerca de 15% em 2023. Contribuiu também para esse aumento a dificuldade de escoamento da produção das fábricas de Manaus em virtude da seca”, descreve.

A Zona Franca de Manaus é o segundo maior polo de produção de aparelhos de ar-condicionado do mundo. O local, que concentra a indústria do setor no País, oferece benefícios fiscais — reduz a tributação sobre o produto acabado em troca do compromisso de uso de uma parcela de insumos nacionais para impulsionar a região.

Segundo a Abrava, a capacidade de produção da zona é de cerca de 5 milhões de aparelhos por ano, atrás apenas da Ásia, que chegou a fabricar mais de 130 milhões de unidades. No Polo Industrial da capital amazonense, um ar-condicionado é produzido a cada 17 segundos, de acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletrônicos (Eletros).

Variação de IPCA do ar-condicionado em 2023 (Brasil e Fortaleza)


A alta de 6,09% no preço desses aparelhos foi a segunda maior de 2023 entre os itens não-alimentícios, atrás apenas da passagem aérea (23,70%). A variação é bastante superior à de outubro de 2022, quando subiu 1,37% — o que evidencia o efeito das ondas de calor que atingiram o País nos últimos meses do ano

A mesma mudança climática que potencializa o interesse do consumidor pelo ar-condicionado, inclusive, também motiva a queda da oferta no mercado.

Isso porque a seca fez com que o nível dos rios no Amazonas diminuísse para o menor patamar em décadas, o que tem prejudicado o transporte fluvial na região — parte fundamental para a logística das fabricantes que estão concentradas nessa região. Pelos rios chegam as peças e componentes para a montagem dos aparelhos, assim como saem os equipamentos prontos para o varejo.

Um ar-condicionado é produzido a cada 17 segundos no Polo Industrial de Manaus(Foto: Divulgação/Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Manaus)
Foto: Divulgação/Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Manaus Um ar-condicionado é produzido a cada 17 segundos no Polo Industrial de Manaus

O professor Tomaz Nunes, do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC), afirma que os desafios técnicos enfrentados pelo setor de energia elétrica durante ondas de calor no Brasil requerem “uma gestão cuidadosa e planejamento estratégico por parte das distribuidoras de energia e dos órgãos reguladores”.

“Existem várias tecnologias de geração e distribuição de energia que podem ser eficientes para lidar com picos de demanda durante ondas de calor: energias renováveis, armazenamento de energia, microrredes, recursos energéticos distribuídos (REDs) e medidas de eficiência energética, como a recuperação de calor residual e a previsão de algoritmos, que podem ajudar a otimizar a alocação de energia disponível e proporcionar uma economia significativa de recursos”, explica.

O docente salienta que “essas tecnologias podem ajudar a lidar com os desafios associados aos picos de demanda durante ondas de calor, no entanto, a escolha da tecnologia mais adequada pode depender de vários fatores, desde a localização geográfica e a infraestrutura existente até as políticas governamentais”.

39% das despesas domésticas mensais são com eletricidade, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)(Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil 39% das despesas domésticas mensais são com eletricidade, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Entre os principais fatores que influenciam o planejamento e a infraestrutura elétrica em resposta à crise climática, conforme aponta o especialista em engenharia elétrica, estão o planejamento urbano e a infraestrutura sustentável.

“O planejamento urbano, ainda que funcione como meio crucial de contribuir com a adaptação climática das cidades, tem se mostrado como um desafio para a adaptação. Os projetos de infraestrutura devem considerar também aspectos de sustentabilidade a resiliência aos impactos das mudanças climáticas”, cita.

Nunes assegura que existem várias ações e pesquisas relacionadas ao desenvolvimento de soluções tecnológicas na engenaria elétrica com o objetivo de prover o mercado com equipamentos mais eficientes no consumo de energia elétrica, “trazendo conforto para os usuários e sem causarem grandes impactos ambientais”.

No Brasil, a iluminação pública representa mais de 3% do consumo total de energia elétrica do País, o segundo maior gasto orçamentário para muitos municípios — atrás apenas da folha de pagamento(Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil No Brasil, a iluminação pública representa mais de 3% do consumo total de energia elétrica do País, o segundo maior gasto orçamentário para muitos municípios — atrás apenas da folha de pagamento

Em 2024, novas regras para apertar as exigências de eficiência energética para geladeiras e congeladores fabricados e vendidos no Brasil entraram em vigor no País.

Entidades da indústria argumentam que as novas medidas de eficiência energética devem retirar do mercado os refrigeradores mais populares, que custam abaixo de R$ 5 mil, mais de 80% dos vendidos — mas a informação foi rebatida pelo Governo Federal, que informou que a medida leva à redução da conta de energia e só retira equipamentos inadequados do mercado em 2026.

“As regras do novo Programa de Metas para Refrigeradores e Congeladores de uso doméstico, do Ministério de Minas e Energia (MME), definidas na Resolução Nº 2/2023, vão trazer economia para o bolso do consumidor na hora de pagar a conta de energia elétrica”, assegurou, em nota, o MME.

Em 2024 entrou em vigor o Programa de Metas para Refrigeradores e Congeladores de uso doméstico, do Ministério de Minas e Energia (MME), que deve retirar gradativamente do mercado os equipamentos de menor eficiência(Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil Em 2024 entrou em vigor o Programa de Metas para Refrigeradores e Congeladores de uso doméstico, do Ministério de Minas e Energia (MME), que deve retirar gradativamente do mercado os equipamentos de menor eficiência

Ainda de acordo com o Ministério, “essa diferença pode ser paga em até um ano com a economia gerada na conta de energia elétrica — redução relevante, visto que 39% das despesas domésticas mensais são com eletricidade, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”.

A nova resolução, conforme a pasta, vai garantir que, a partir de 2028, os produtos que estarão disponíveis nas lojas sejam, em média, 17% mais eficientes que os disponíveis hoje no mercado nacional (valores estimados com base em refrigeradores de 1 porta e 200 litros de volume interno).

“A ideia é retirar gradativamente do mercado os equipamentos de menor eficiência, que oneram o consumidor e o setor elétrico”, disse o comunicado.


Gela o ambiente, aquece o planeta: o paradoxo do ar-condicionado e o conforto térmico como privilégio

O ciclo paradoxal é evidente: enquanto torna-se um aliado, sua disseminação contribui para o aumento vertiginoso na demanda por energia elétrica, um dilema que esquenta não apenas as discussões, mas também o planeta.

Diversas pesquisas mostram que o mesmo ar-condicionado usado para resfriar ambientes também aumenta a temperatura das cidades em mais de 2 graus "Uma pesquisa publicada no International Journal of Climatology (revista internacional de climatologia) apontou que o uso sistemático de ar-condicionado durante uma onda de calor é capaz de aumentar a temperatura do ar em até 2,4°C." — e as áreas que mais sofrem com isso são as mais pobres, por serem regiões onde geralmente o que predomina é a autoconstrução, com técnicas precárias, materiais que costumam intensificar o calor e pouca arborização.

Os moradores desses locais também são justamente os que têm menos condições de possuir o privilégio do conforto térmico. Além da aquisição do aparelho (ou mais de um, a depender da demanda), há despesas, ainda, com o serviço de instalação do equipamento e possíveis reformas na infraestrutura para recebê-lo — como a necessidade de tomadas, suportes ou tubulações —, além da manutenção. Ou seja: o preço final pode subir bem mais.

O calor extremo reforça desigualdades, já que pessoas mais vulneráveis dificilmente têm condições de arcar com os custos de aquisição, instalação e manutenção de ar-condicionado(Foto: Roman/Freepik)
Foto: Roman/Freepik O calor extremo reforça desigualdades, já que pessoas mais vulneráveis dificilmente têm condições de arcar com os custos de aquisição, instalação e manutenção de ar-condicionado

Na casa da comerciante Fernanda Barros, 45, o calor intenso levou à substituição dos ventiladores pelo ar-condicionado — uma mudança que é sentida na conta todos os meses.

“A diferença é enorme. Quando usávamos só ventiladores, o nosso consumo de energia era R$ 250 mensais. Hoje é em torno de R$ 700. Como a minha irmã já tem aparelhos no trabalho, ela comprou os nossos no mesmo lugar. A opção inverter do modelo split é mais econômica e o custo gira em torno de R$ 2.800 cada aparelho”, relata.

Desde a pandemia de Covid-19 ela vive com as duas irmãs mais velhas, a designer Ecela, 52, e a enfermeira Sônia, 51, que, juntas com a mãe, que tem 75 anos, passaram a cuidar umas das outras.

Conta de energia elétrica(Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil)
Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil Conta de energia elétrica

“Estamos envelhecendo e solteiras, os problemas de saúde chegaram para todas nós. Principalmente a ansiedade, é um fato comum em todas. De quebra somos obesas e estamos todas passando pelo processo de menopausa”, conta.

Familiarizada com o calor, a família é toda de Belém, mas mudou-se para Fortaleza em diferentes momentos da vida de cada integrante, conforme narra Fernanda: “A do meio veio aos 18, naquele sonho de ser independente da família, a mais velha veio acompanhada do marido, que fez mestrado e aqui se separou, e eu vim quando me separei”.

Ela diz que a decisão de comprar um aparelho de ar-condicionado foi tomada em conjunto quando Sônia ingressou no mestrado e precisava cumprir uma carga-horária intensa de aulas on-line — tarefa que se tornou insuportável para a irmã, segundo a comerciante, tanto pelo calor quanto pelo barulho do ventilador.

Venda de ventilador para suportar a Onda de calor em Fortaleza(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Venda de ventilador para suportar a Onda de calor em Fortaleza

“Ficava difícil para ela participar das aulas e analisamos que priorizar o conforto térmico também evitaria episódios de mal-estar, desmaio, picos de pressão alta, surto de ansiedade, entre outras coisas que podem surgir. Já tive mal-estar devido ao calor, é péssimo para obeso”, descreve.

“E eu sempre gostei de ventilador fraquinho, portas abertas, não gosto de ficar em ambiente fechado. Mas o calor está tão forte, e entrei também nesse processo de menopausa, então tivemos que nos render ao ar-condicionado. É um custo pesado, mas necessário, pois priorizamos o bem-estar. O grande tesouro desse século é ter saúde física e mental”, frisa.

Juntas, elas analisam comprar um segundo aparelho e consideram instalar painéis para geração de energia solar na residência a fim de atenuar as despesas financeiras: “Infelizmente o custo ainda é muito alto e, para amenizar os gastos, o investimento é grande. Nós estamos estudando a possibilidade de adquirir placas solares para baratear o consumo”. 

 

 

Fontes renováveis puxam expansão da matriz energética no País para suprir demanda recorde

Ao O POVO+, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informou que acompanha, analisa e faz previsões que levam em consideração o comportamento da carga em função das demandas da sociedade por energia elétrica — como na onda de calor que afetou boa parte do Brasil em novembro e dezembro do ano passado e gerou aumento dessas necessidades.

“Em dezembro, a demanda superou os 100 GW nos dias 14 e 18, chegando a 100.250 MW. Porém, o valor ficou abaixo do recorde atingido em 14 de novembro, de 101.475 MW”, disse o órgão, em nota.

“De acordo com as previsões preliminares para a carga de demanda, é previsto no SIN um crescimento em torno de 15% para o 2028 em relação a máxima verificada até o momento”, pontuou o informe do ONS.

Linhas de transmissão de energia, energia elétrica(Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil Linhas de transmissão de energia, energia elétrica

O comunicado destacou ainda que “as questões climáticas têm impacto no setor elétrico, em especial porque cerca de 90% da energia gerada no Sistema Interligado Nacional (SIN) é de fontes renováveis, como a hidrelétrica, eólica e solar”.

Isso explica por que a matriz energética brasileira tem se expandido tanto nos últimos anos. Em 2023, o crescimento bateu recordes e superou a maior marca desde o início da medição, em 1997 — com destaque para as usinas eólicas.

A onda de calor exigiu do ONS uma série de medidas emergenciais, como o acionamento de usinas térmicas e termelétricas de carvão, que têm um custo mais elevado de operação por utilizarem combustíveis fósseis — procedimento que geralmente é adotado quando os níveis das hidrelétricas estão baixos, o que não foi o caso.

Texto preliminar da COP28 indica eliminação dos combustíveis fósseis  (Foto: )
Foto: Texto preliminar da COP28 indica eliminação dos combustíveis fósseis

Desta vez, o sistema termoelétrico foi acionado para poupar água dos reservatórios e complementar a energia gerada pelo sistema primário a fim de suprir o aumento de 63% na demanda por energia desde o início da onda de calor de novembro.

Conforme o órgão, entre as fontes de matrizes energéticas que mais supriram a demanda durante o pico, a geração solar absorveu, no auge da demanda, 19,6%.

Com a situação crítica na vazão dos rios, que começaram o ano abaixo da média histórica, o Operador que deve voltar a fazer uso de fontes complementares para a geração de energia elétrica no País em 2024.

Usina de Energia Solar (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Usina de Energia Solar

“Estamos observando, para janeiro de 2024, a convergência de fatores como a perspectiva de temperaturas elevadas, acima da média para o verão, carga em crescimento e afluência baixa. Esse cenário é acompanhando com bastante atenção, principalmente porque ele pode levar a demandas mais elevadas para atendimento da ponta de carga. Nesses casos, deve ser necessário recorrer ao despacho de recursos termoelétricos para complementar a rampa de carga em horários específicos”, explica Luiz Carlos Ciocchi, diretor-geral do ONS.

O ano terminou com a expansão de 10,3 GW na matriz elétrica e 291 novas usinas que entraram em operação — quase a metade composta pelos parques eólicos, que receberam 140 novas unidades, seguidos das centrais solares fotovoltaicas (104), termelétricas (33), centrais hidrelétricas (11) e geradoras hidrelétricas (3).

Os números são da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que registrou que essas novas usinas foram concluídas em 19 estados localizados nas cinco regiões brasileiras, como demonstra o mapa a seguir:

Expansão da matriz elétrica brasileira em 2023 por estado (em MW)


A qualidade e renovação do ar interno nos ambientes é uma preocupação da entidade, que sobreleva que uma pessoa adulta respira diariamente, em média, cerca de 10 a 12 mil litros de ar, e que passa cerca de 90% do tempo em locais fechados.

Existe até uma portaria do Ministério da Saúde, a 3.253/98, que estabelece uma série de normas para ambientes climatizados. A resolução considera, conforme aponta o MS, dentre outras questões, “a preocupação mundial com a qualidade do ar de interiores e a ampla e crescente utilização de sistemas de ar condicionado no País em função das condições climáticas”.

As normas que constam na portaria dispõem sobre pontos como a limpeza, a manutenção e o uso de filtros específicos para cada tipo de aparelho, seja em casa, no trabalho ou dentro de veículos, a fim de assegurar as condições ideais de uso desses equipamentos.


Isso inclui desde a prevenção de acidentes como o incêndio que atingiu o Museu Nacional "A perícia feita pela Polícia Federal concluiu que as chamas tiveram início em um dos aparelhos de ar-condicionado do auditório do MN, no primeiro andar, após um problema com o disjuntor — que deveria ser individual, segundo recomendação do fabricante, mas estava ligado a outras duas máquinas e, portanto, exposto a uma sobrecarga. Os peritos constataram também a falta de aterramento em máquinas internas do tipo split e uma fiação rompida na máquina onde o incêndio começou. Cerca de 80% do acervo foi consumido pelo fogo, que durou mais de seis horas e atingiu do piso aos telhados ao prédio histórico." em setembro de 2018 até a prevenção de doenças como as respiratórias "Quadros de resfriado, gripe, sinusite, rinite, bronquite, pneumonia e asma são alguns dos que podem ser agravados pela exposição inadequada ao ar-condicionado, seja pela falta de uma devida higienização ou pela propagação de bactérias em ambientes fechados com grande concentração de pessoas." , causadas principalmente pelos resíduos acumulados ou pelas trocas de ar feitas de maneira inadequada.

Isso porque as altas temperaturas também levam as pessoas a permanecerem mais tempo em ambientes fechados, o que aumenta o risco de contaminação de doenças transmitidas pelo ar.

O uso correto e adequado do ar condicionado, em si, não acarreta nenhuma doença respiratória. Mas a falta de manutenção periódica e limpeza dos filtros, sim, pode gerar o acúmulo de aeroalérgenos (ácaros, bolor, fibras de tecido) e agravar doenças como asma, rinite alérgica e fibrose pulmonar, assim como a contaminação por micro-organismos e a ocorrência de surtos de pneumonia.

O fortalezense vem sentindo e sofrendo com a onda de calor, mesmo na pré-estação(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA O fortalezense vem sentindo e sofrendo com a onda de calor, mesmo na pré-estação

É o que indica o pneumologista Ricardo Reis, presidente da Sociedade Cearense de Pneumologia e Cirurgia Torácica (SCPCT). O médico comenta que, embora um aliado para fugir do calor, esse aparelho não está classificado como uma medida de prevenção — ao contrário do que muitos pensam ao frequentar ambientes hospitalares de baixa temperatura como Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), por exemplo.

“O condicionamento do ar tem como característica deixá-lo mais seco, e isso pode realmente reduzir a proliferação de ácaros responsáveis por crises alérgicas, porém não reduz a incidência de micro-organismos responsáveis por infecções respiratórias, portanto não está indicado como medida de prevenção”, ressalta.

“O ar seco e frio pode causar desconforto e ressecamento da garganta e do nariz em pessoas mais sensíveis. No tocante ao confinamento, ambientes fechados são de maior risco para transmissão de doenças respiratórias do que ambientes arejados com livre circulação de ar”, acrescenta.

Na Praça do Ferreira, a água de coco ajuda e enfrentar o desconforto do calor(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Na Praça do Ferreira, a água de coco ajuda e enfrentar o desconforto do calor

Em relação ao “choque térmico” causado pela mudança brusca de temperatura quando uma pessoa sai de ambientes naturais (normalmente quentes, no caso de Fortaleza) e entra em ambientes climatizados, Reis pondera que “não há clara relação com redução de imunidade ou aumento do risco de infecção”.

O que há, segundo o pneumologista, é uma relação entre variações bruscas de temperatura e crises de asma ou rinite em pacientes alérgicos mais sensíveis.

 

 

Simulador de Consumo

Outra maneira de conhecer ou estimar o consumo de energia elétrica mensal de uma residência é através do Simulador de Consumo disponível no site da Enel para os estados onde a empresa de distribuição atende — com a simulação de acordo com as tarifas de cada unidade da federação.

Na plataforma, o cliente pode selecionar diferentes cômodos da casa, escolher o tipo de aparelho, a quantidade, o tempo de uso e a potência, depois gerar um relatório que dá a previsão de quanto virá na conta de energia.

É possível testar diferentes usos e acompanhar o consumo estimado desses equipamentos de acordo com os hábitos dos moradores da casa, o que pode ajudar a avaliar o melhor jeito de economizar.

 

Glossário

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