Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados
Dom Hélder, que só não ganhou o prêmio Nobel da Paz, para o qual foi indicado por mais de uma vez, graças às manobras encetadas pelos governos militares, mas isso fica para outro artigo
Foto: Marcel Antonisse/Wikimedia Commons
Dom Helder Câmara, ex-arcebispo de Olinda e Recife
Dom Hélder Câmara era conhecido por suas tiradas espirituosas, bem- humoradas. Em meu último artigo contei uma delas, em que o sacerdote defendia o direito de um bêbado contumazde enganá-lo, afinal a vida já tudo lhe tinha tirado, deixando-lhe pouco ou quase nada. Como subtrair-lhe o sagrado direito de lhe passar a perna para assim ter alguns minguados caraminguás para a cachaça diária? Não contassem com ele para tamanha maldade.
Aqui vai outra, acontecida em Recife, nos tempos difíceis do regime militar, em meio à tragédia do assassínio do padre Antônio Henrique Pereira da Silva Neto. O religioso era encarregado da Pastoral da Juventude e um dos auxiliares mais próximos de dom Hélder. Na verdade, uma de suas maiores apostas. O padre havia sido por ele ordenado.
Homem culto, padre Henrique, como era conhecido, prometia. Fluente em inglês, francês e espanhol, conhecia os rudimentos do grego e do hebraico. Aluno destacado, havia estudado teologia como aluno bolsista no Mount Saint Bernard Seminary, em Iowa, Estados Unidos. Era um apreciador sofisticado de música erudita e cultura popular.
Toda uma carreira eclesial pela frente se descortinava. Sequestrado por membros do Comando de Caça aos Comunistas e agentes da polícia civil de Pernambuco, foi torturado e morto na madrugada de 27 de maio de 1969. Tinha apenas 28 anos de idade. Mais que um crime bárbaro, um claro e duro recado. Era evidente o propósito de inibir a ação pastoral emancipadora empreendida por dom Hélder.
Outro recado logo viria. Em cavalo a galope. Menos trágico, mais direto. Dias após o assassinato de padre Henrique, enquanto aguardava um táxi que o levaria à celebração da missa de sétimo dia pela alma do finado assessor, Dom Hélder toma um baita susto quando um Jeep do exército, daqueles verdes, bem feios, mal-ajambrados, para bruscamente a seu lado. No banco de trás um jovem capitão, do alto de sua estupidez, dispara, à queima-roupa - "Fique certo de que o próximo a ser morto será você, seu comunista filho da...".
Ainda que sobressaltado e com uma natural ponta de medo, afinal ninguém é de ferro, o Arcebispo de Olinda e Recife, aos olhos dos reacionários um temido "Bispo Vermelho", não perdeu o rebolado - ele nunca perdia, e retorquiu prontamente, com seu jeito manso e sereno de toda a vida: "Obrigado, meu irmão, nasci em Fortaleza e minha mãe nunca havia me falado que eu tinha um irmão aqui no Recife..."
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