Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.
Há ainda o tom condescendente adotado pelos vereadores, a essa altura já conhecidos de todos
Foto: FCO FONTENELE
"Discursos ameaçadores não irão silenciar minha voz", disse Jade Romero em entrevista ao O POVO News logo depois dos ataques
Dias atrás, a propósito de ofensas dirigidas por vereadores da base do prefeito José Sarto (PDT) à então governadora em exercício Jade Romero (MDB), o colega Gualter George escreveu que a gestora “não foi vítima de misoginia”.
“Foram termos duros, exagerados, injustos, equivocados, inconvenientes”, continuou, “mas não vejo neles o componente do machismo”.
Eis os termos: “menina de recado” e “garganta de aluguel”, além de toda sorte de recomendação irônica (“não caia nessa armadilha”) cujo sentido pressupõe sempre a absoluta incapacidade da mulher para avaliar seus próprios atos e ponderar suas palavras na arena política.
Domingos Filho, dirigente do PSD, foi vice-governador de Cid Gomes por algum tempo. Antes dele, outros homens passaram pelo mesmo posto. Não lembro de tê-los visto sendo achincalhados assim, com essa nuance deliberada que incide não meramente na ofensa, mas na anulação do sujeito político, enquadrado então como uma espécie de player “café com leite”.
Tome-se Fortaleza, por exemplo, que tem um vice-prefeito bastante atuante no quadrante local (Élcio Batista), mas cujas declarações, sempre muito enfáticas, não costumam ser lidas por aliados ou adversários como apenas torpedos verbalizados por um joguete do titular da Prefeitura.
Élcio, quando se manifesta, faz política. Jade, ao ocupar espaço semelhante e dirigir-se a seus pares nos mesmos termos do campo da disputa, desempenha o papel de marionete, a quem caberia se portar de modo digno, não operando como veículo de interesses de terceiros.
Há ainda o tom condescendente adotado pelos vereadores, a essa altura já conhecidos de todos. Do outro lado estava a governadora (e secretária de Estado), mas tratavam-na como uma menina aventurando-se ingenuamente nesse terreno acidentado do embate retórico em meio a uma crise partidária protagonizada principalmente por homens e cujo estopim foi, não casualmente, o impedimento da candidatura de Izolda Cela ao Governo em 2022.
A estratégia é velha conhecida nos estudos de gênero: infantilizar a mulher é uma maneira de dizer que não lhe compete estar ali, que não está apta para o exercício do poder. Às vezes o uso dessa arma é sutil e mais nuançado, fazendo-se passar por expressão do dia a dia e tratativa normal do ambiente conflagrado. Noutras, é escancarado.
“Governadora, não se preste a esse papel”, aconselhou um vereador. Que papel? O de formular críticas autonomamente, recorrendo a vocabulário próprio e calibrando a dureza, a partir de um cargo para o qual foi eleita ainda no primeiro turno no pleito do ano passado.
Aos homens, no curso das batalhas por nacos do Legislativo ou do Executivo, permite-se livremente o emprego da gramática bélica, das cotoveladas e das caneladas, dos disparos e dos ataques, das traições e das rasteiras, considerados típicos da rispidez no trato do jogo eleitoral, para alguns essencialmente viril.
Às mulheres, não. Quando o fazem, não é porque conhecem os códigos e se mostram hábeis no manejo das regras, mas porque aceitaram se subalternizar ante a figura do masculino.
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