Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.
O retrato que se esboça é menos o de um desequilibrado convencido a dar fim à própria vida do que o de um sujeito politicamente radicalizado em meio a tantos outros que depredaram as sedes dos Três Poderes quase dois anos atrás
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Há diferenças consideráveis entre o atentado a bomba levado a cabo ontem por Francisco Wanderley Luiz (foto) em Brasília e o ataque a faca de Adélio Bispo contra Jair Bolsonaro em Juiz de Fora (MG) em 2018. Ex-candidato a vereador pelo PL de Santa Catarina em 2020, Luiz tinha como alvo prioritário o ministro do STF Alexandre de Moraes, que conduz inquéritos contra apoiadores do ex-presidente da República. Em sua casa e trailer alugados, a polícia encontrou mensagens sobre o 8 de janeiro de 2023 e um boné da campanha de Jair Bolsonaro de 2022. Segundo ex-esposa e irmão da vítima, que se explodiu durante o ato (não se sabe ainda se deliberadamente), o homem de 59 anos havia participado dos acampamentos golpistas, aqueles mesmos que produziram uma tentativa de explodir o aeroporto de Brasília. Em conversa com jornalistas, um ex-dirigente do PL catarinense também confirmou vínculos entre Luiz e o bolsonarismo. Finalmente, tem-se o modus operandi do ato, que se concentrou no Supremo e num anexo da Câmara, com uso de pelo menos três artefatos. Considerando-se tudo isso, o retrato que se esboça é menos o de um desequilibrado convencido a dar fim à própria vida do que o de um sujeito politicamente radicalizado em meio a tantos outros que depredaram as sedes dos Três Poderes quase dois anos atrás.
Obviamente, Bolsonaro e seus aliados tentarão fazer crer que Luiz era desgarrado, o que se chama de "lobo solitário", ou seja, um raio em céu azul atuando sozinho, por sua conta e risco, sem que tivesse qualquer vínculo com os laboratórios de terrorismo nos quais os acampamentos do 8/1 acabaram por se converter. É do jogo, claro, mas não se diga que é uma tese que se sustenta em pé. Existe um padrão quase linear entre atitudes e declarações do então chefe do Executivo e tudo que se seguiu, dos ataques às urnas às tentativas de mobilizar as forças armadas para melar as eleições e impedir a posse do candidato vencedor, Luiz Inácio Lula da Silva, passando por minutas e outras escaramuças. Esses nexos estão fartamente demonstrados. Neles, por exemplo, o TSE se fiou para condenar Bolsonaro à inelegibilidade. Ora, o homem-bomba de Brasília é subproduto desse caldo de extremismo que funciona como liga entre elementos cuja conduta se aproxima (daí o recado escrito no espelho para uma das presas do 8/1, sugerindo substituir o batom por TNT).
E o Adélio?
Ex-filiado ao Psol quando do ataque a Bolsonaro, Adélio é inimputável, a se crer na série de laudos periciais que atestaram quadro clínico de transtorno delirante (o paciente tinha alucinações de natureza política e religiosa). Por quatro anos, contudo, Bolsonaro encorajou seu entorno a procurar mandantes de uma trama que nunca existiu, sustentando uma pergunta ("quem mandou matar Bolsonaro?") que era, à época, uma forma de equiparar o crime ao assassinato de Marielle Franco (Psol-RJ). Entre Adélio e Luiz, porém, há distância imensa.
Bomba saiu pela culatra
Se a intenção do atentado era, todavia, robustecer o projeto de lei que pretende anistiar os golpistas do 8/1, o tiro saiu pela culatra. Do episódio, duas consequências parecem desde já evidentes: o fortalecimento de Moraes num momento em que o STF se mantinha sob pressão após a vitória de Donald Trump e o empoderamento de Elon Musk/direita brasileira; e o recuo de Bolsonaro, cujo perdão, se antes era remoto, foi de vez para as calendas, com o ex-mandatário à espera do desfecho das investigações de que é objeto e cuja conclusão deve agora se acelerar. Como se vê, um mau negócio para esse campo, que por tabela ainda municia a retórica governista de olho nas eleições de 2026, quando se poderá voltar a advertir, não se sem razão, que a ameaça golpista permanece viva.
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