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Melhorar o sistema tributário? Para quem?
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Hugo de Brito Machado Segundo é mestre e doutor em Direito. Membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários (ICET) e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Professor da Faculdade de Direito da UFC e do Centro Universitário Christus. Visiting Scholar da Wirtschaftsuniversität, Viena, Áustria.

Melhorar o sistema tributário? Para quem?

Parece haver consenso de que o sistema tributário brasileiro precisa de correções. Daí falar-se tanto em "reforma tributária". Mas quando se trata do que, especificamente, deve ser alterado, o consenso acaba
A reforma tornará a tributação do consumo ainda mais pesada. Estima-se uma alíquota para o IBS em torno de 25% (Foto: Fabio Lima)
Foto: Fabio Lima A reforma tornará a tributação do consumo ainda mais pesada. Estima-se uma alíquota para o IBS em torno de 25%

Parece haver consenso de que o sistema tributário brasileiro precisa de correções. Daí falar-se tanto em “reforma tributária”. Mas quando se trata do que, especificamente, deve ser alterado, o consenso acaba. Talvez por isso se fale muito, mas se faça pouco. Interessante, então, identificar os principais defeitos que são apontados ao sistema: oneroso, complexo e injusto. As propostas de emenda constitucional (PECs) em trâmite seriam remédios eficazes contra tais males?

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Propõe-se a unificação de vários tributos. ICMS, IPI, ISS, PIS e COFINS dariam lugar a um único IBS. Mas, quanto à onerosidade, ela não decorre da quantidade de tributos, mas das suas alíquotas, que são as frações da realidade tributada, usadas para o cálculo do valor devido. Quando se diz, por exemplo, que “o ICMS é 18%”, está-se falando da alíquota, pois 18% (do valor da operação tributada) corresponde ao montante devido de imposto. Só que as alíquotas são fixadas em lei, ou, no caso de alguns impostos, como o IPI, em Decretos. Para reduzi-las, portanto, não é preciso emendar a Constituição, onde estão as garantias do contribuinte. Aprovadas, as PECs em trâmite nenhum efeito terão sobre este problema, embora possam criar outros.

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Já a complexidade decorre basicamente das “obrigações acessórias”, ou seja, de deveres ligados ao preenchimento de formulários e declarações, emissão de documentos etc. Mas tais obrigações são estabelecidas em atos infralegais (decretos, portarias...). Nem o Congresso precisa ser acionado, se a intenção for mesmo simplificá-las. A tecnologia e a inteligência artificial também poderiam ser usadas pelo Fisco para dar a sua contribuição, em vez de apenas facilitar o trabalho de autoridades para descobrir e multar os erros do contribuinte.

Também aqui, os projetos em trâmite não remediam o problema. É certo que a unificação de tributos também pode, em tese, ajudar na simplificação, mas isso dependerá de como as obrigações acessórias serão regulamentadas depois. A julgar pela complexidade do texto das propostas de emenda, é possível que tudo fique ainda mais complicado.

Finalmente, a injustiça. Diz-se que no Brasil se paga muito tributo. Mas também que se paga pouco. Talvez haja parcela de razão nos dois lados, sendo por isso que o sistema é injusto. Pessoas mais pobres pagam proporcionalmente muito, e as mais ricas, proporcionalmente pouco. Na Europa, por exemplo, tributam-se heranças com alíquotas que podem chegar a 20%. No caso da renda, podem passar dos 40%. Diante desses percentuais, os equivalentes brasileiros (8%, e 27,5%) são baixos. O problema é que, no Brasil, se tributam com tais alíquotas pessoas que, na Europa, seriam consideradas isentas, por receberem heranças ou rendimentos pouco significativos.

A reforma nada fará a esse respeito. Mas ela tornará a tributação do consumo ainda mais pesada. Estima-se uma alíquota para o IBS em torno de 25%. É muito. Se se considerar que os mais pobres consomem toda a sua pouca renda, enquanto os mais ricos podem aplicar apenas uma parte dela no consumo, poupando o restante, um sistema tributário que alcança mais pesadamente o consumo onera precipuamente os mais pobres.

A reforma em discussão, portanto, praticamente não atua sobre dois dos principais defeitos do sistema, e piora o terceiro deles. Não será de se estranhar se, depois de sua aprovação, as pessoas continuarem clamando por uma “reforma tributária”.

 

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