Hugo de Brito Machado Segundo é mestre e doutor em Direito. Membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários (ICET) e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Professor da Faculdade de Direito da UFC e do Centro Universitário Christus. Visiting Scholar da Wirtschaftsuniversität, Viena, Áustria.
Governo Federal utiliza o Bolsa Família como pretexto para atrasar o pagamento dos precatórios, como se esta fosse a única despesa, das inúmeras constantes do orçamento, cuja satisfação poderia ser comprometida caso se honrem as dívidas reconhecidas em juízo
O Ministro da Economia se referiu, estes dias, a um “meteoro” vindo de outro Poder da República, o qual iria impactar o orçamento. Reportou-se, ainda, a um míssil que deveria ser lançado para destruí-lo e impedir o impacto. Fazia alusão, por meteoro, ao valor apresentado pelo Poder Judiciário como necessário ao pagamento de precatórios em 2022. O míssil seria uma emenda constitucional destinada a parcelar tais precatórios.
Precatórios são ordens de pagamento, do Poder Judiciário, decorrentes de condenações sofridas pelo Poder Público e já transitadas em julgado, ou seja, definitivas porque não mais passíveis de recurso.
Quando um particular qualquer é acionado judicialmente, e perde a demanda, sendo condenado a pagar determinada quantia (p.ex., uma indenização), seus bens podem ser penhorados e leiloados, ou sua conta bancária pode ser bloqueada, para que se obtenha assim o valor necessário ao cumprimento da decisão.
Quando se trata do Poder Público, o procedimento é mais complicado e demorado: terminado o processo, o Judiciário determina a inclusão do valor necessário ao cumprimento da decisão no orçamento do ano subsequente.
Assim, no ano seguinte, quando se executa o orçamento, o valor é destinado ao Judiciário, que o utiliza para o pagamento da dívida junto à parte vitoriosa na ação judicial.
Uma dívida representada por um precatório, portanto, não é uma surpresa. Não se trata de dívida nova, inesperada, inventada pelo Poder Judiciário. É fruto de processo no qual o Poder Público defendeu-se e recorreu até as últimas instâncias. Por trás de cada um deles, há alguém que lutou e esperou por décadas para ver reconhecida a necessidade de o Estado reparar uma lesão, uma ilegalidade ou um prejuízo pelo qual é responsável.
Trata-se, portanto, de uma consequência da ideia de “Estado de Direito”, assim entendido aquele que se submete às leis e às decisões judiciais, pelo que arquitetar mecanismos para não os honrar é muito mais grave do que parece.
Não é a primeira vez, aliás, que o Poder Público tenta parcelar precatórios. Mais de uma emenda constitucional já fez isso, e foram todas, nessa parte, consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. O Poder Público não tem a liberdade de decidir se, ou como, cumprirá condenações judiciais definitivas.
Tampouco uma emenda constitucional pode isentá-lo desse dever, ou estabelecer prazos mais elásticos para tanto, sendo de se lembrar que os precatórios decorrem de processos que já se arrastaram por décadas. Muitos são recebidos pelos filhos, ou mesmo pelos netos, dos autores das ações, que não vivem o suficiente para presenciar o reconhecimento definitivo de seus direitos.
Submeter tais pessoas, depois de chegarem ao fim do processo, ainda a um longo parcelamento, é contrário a tudo o que subjaz à ideia de Estado de Direito.
E pior é fazê-lo usando como pretexto o Bolsa Família: como se esta fosse a única despesa, das inúmeras constantes do orçamento, cuja satisfação poderia ser comprometida caso se honrem as dívidas reconhecidas em juízo.
Na verdade, para diminuir, no longo prazo e de forma segura, a despesa representada por precatórios, a fórmula é simples: basta o Estado deixar de cometer ilegalidades, causar danos e gerar prejuízos aos cidadãos, que nada mais terão a reclamar junto aos Tribunais.
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