Logo O POVO+
Aumento de arrecadação e devido processo
Foto de Hugo Segundo
clique para exibir bio do colunista

Hugo de Brito Machado Segundo é mestre e doutor em Direito. Membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários (ICET) e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Professor da Faculdade de Direito da UFC e do Centro Universitário Christus. Visiting Scholar da Wirtschaftsuniversität, Viena, Áustria.

Aumento de arrecadação e devido processo

Neste texto, pretendo convidá-la, leitora, a refletir sobre a conveniência de se aumentar a arrecadação diminuindo as oportunidades de defesa do cidadão, ou retirando dele chances de demonstrar que as cobranças que lhe fazem são indevidas
Tipo Opinião
Governo propôs mudanças no voto de qualidade do Carf  (Foto: Imagem de Arek Socha/Pixabay )
Foto: Imagem de Arek Socha/Pixabay Governo propôs mudanças no voto de qualidade do Carf

Premido pela necessidade de mais recursos, até para cumprir as promessas feitas em campanha, o atual Governo adota algumas medidas destinadas a aumentar a arrecadação.

A maior parte delas, até agora, concentra-se no chamado “Processo Administrativo Tributário”, ou seja, no processo no qual, perante o próprio Fisco, o contribuinte busca obter o reconhecimento de que a cobrança é indevida, cancelando-a em seu nascedouro.

Evita que seja levada ao Poder Judiciário, com celeridade, e menor onerosidade, para todos os envolvidos.

O problema é que as mudanças, confessadamente destinadas a aumentar a arrecadação, dizem respeito não ao aumento de tributos, ou a melhoria nas fiscalizações, mas a restrições ao direito dos contribuintes de se defenderem, no âmbito desse processo administrativo, contra cobranças que consideram indevidas.

Em síntese, retorna-se a regra segundo a qual, na prática, em caso de empate o resultado favorece ao Fisco, e, o que é pior, estabelece-se um teto de mil salários mínimos para acesso ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, órgão que vinha demonstrando alguma autonomia para reconhecer ilegalidades em cobranças indevidas.

Processos que discutam quantias inferiores a mil salários mínimos serão resolvidos por órgãos compostos apenas por auditores fiscais, semelhantes, na forma e na autonomia, aos que já realizam os julgamentos de primeira instância.

Para quem não é familiarizado com o tema, isso equivale a, na prática, extinguir o direito ao processo administrativo, pois esses órgãos, que farão os julgamentos de forma definitiva, não têm autonomia para reconhecer e declarar diversas ilegalidades, quando presentes nas cobranças, salvo se decorrentes de erros materiais muito evidentes. Sequer respeitam os precedentes e as orientações do próprio CARF, quando favoráveis ao contribuinte.

Qual o custo das mudanças?

Muito já se escreveu para comentar essas mudanças, em seu mérito, quanto aos seus problemas técnicos. Neste texto, pretendo convidá-la, leitora, a refletir sobre a conveniência de se aumentar a arrecadação diminuindo as oportunidades de defesa do cidadão, ou retirando dele chances de demonstrar que as cobranças que lhe fazem são indevidas.

É mais ou menos como pretender combater a violência tirando dos acusados o direito de se defender de acusações injustas, ou de se insurgir contra a violência ou a arbitrariedade da polícia. Pode até se alcançar algum resultado, mas com o sacrifício de muitos inocentes. No final, o saldo é negativo.

No caso do aumento da arrecadação, ele decorrerá do incremento das cobranças indevidas, com o efeito colateral negativo de aumentar, por igual, a quantidade de processos que terminará sendo levada ao já sobrecarregado Poder Judiciário.

Cultura do litígio

Exatamente o contrário do que, pelo menos no plano do discurso, se defende no que tange à atuação do Poder Público, que tem pregado o fim da “cultura do litígio”.

Na verdade, o fim dos litígios se obtém com a redução da prática de ilegalidades, não com a retirada, do contribuinte, do direito de se insurgir contra elas. Do contrário, é como pretender acabar com a violência impondo, a quem a sofre, o dever de aguentar calado e não a denunciar.

Mais notícias de Economia

Foto do Hugo Segundo

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?