Hugo de Brito Machado Segundo é mestre e doutor em Direito. Membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários (ICET) e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Professor da Faculdade de Direito da UFC e do Centro Universitário Christus. Visiting Scholar da Wirtschaftsuniversität, Viena, Áustria.
Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil
Foram muitas modificações no processo administrativo tributário com o propósito de aumentar arrecadação
A legislação do processo administrativo tributário do Estado do Ceará foi recentemente alterada (Lei 18.185/2022), com o propósito declarado de propiciar, entre outros objetivos, aumento da arrecadação.
Foram muitas modificações. Cada uma, vista isoladamente, pode não parecer tão problemática. Vistas em conjunto, contudo, criam um quadro preocupante e inconstitucional.
A finalidade do processo administrativo, e dos órgãos que realizam o julgamento a respeito da validade de cobranças feitas pelo Estado, é realizar um controle interno da legalidade dessas cobranças.
Verificar se estão de acordo com a lei. Isso porque os agentes fiscais, como qualquer outro ser humano, erram.
Inclusive quando calculam e cobram tributos. É um equívoco de base, portanto, alterar o processo em que se faz esse controle, com a finalidade declarada de aumentar a arrecadação.
Reduziu-se, por exemplo, o prazo para a defesa do contribuinte. O pretexto foi tornar o processo mais rápido.
Não se sabe, contudo, como um encurtamento de apenas alguns dias pode acelerar um processo que normalmente dura vários anos; principalmente porque a lei alterou também os prazos da Fazenda, mas para duplicá-los!
O verdadeiro motivo é claro: cercear o direito daquele que, recebendo um auto de infração complexo e volumoso, tem pouco tempo para compreendê-lo, contratar um defensor e juntar as provas necessárias à defesa.
E por falar em provas, também a possibilidade de que sejam produzidas foi sensivelmente amesquinhada, como se o interesse em descobrir a verdade não fosse também do Fisco: conhecer os fatos é essencial à correta aplicação da lei, não devendo ser visto como um favor feito ao contribuinte.
Enfim, o direito de quem se defende falar por último nas sessões de julgamento, a possibilidade de se aprovarem súmulas desrespeitando a paritariedade e o entendimento do próprio contencioso e do Judiciário, a realização de perícias pelos mesmos auditores que levaram a efeito o lançamento e não têm assim o distanciamento necessário, as mudanças foram muitas; reunidas empobrecem bastante o controle da legalidade dos lançamentos tributários por parte do Contencioso da Sefaz/CE.
Examiná-las todas não se comportaria nos limites deste artigo, mas não posso deixar de fazer aqui duas considerações.
Uma maior arrecadação, às custas da supressão do direito de defesa, e do direito ao esclarecimento da verdade, ofende o Estado de Direito.
Reduzir a capacidade do contencioso administrativo de controlar cobranças indevidas deveria ser visto como negativo pela própria Fazenda, se esta tivesse preocupação com o Direito, e não só com o dinheiro, até porque muitas dessas questões, não solucionadas administrativamente, terminarão sendo levadas ao Judiciário, com aumento de custos (inclusive sucumbenciais) para todos.
Finalmente, o Estado do Ceará tem hoje como governador, chefe máximo do Executivo (e de toda a Fazenda) um ilustre advogado, filiado à Ordem dos Advogados do Brasil, além de a Ordem ter assento, com voz e voto, nas deliberações do contencioso administrativo.
Não poderia haver cenário institucional mais propício, caso se queira, para o restabelecimento do respeito ao Direito, ao qual toda arrecadação, em um País civilizado, se deve submeter.
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