O Eternauta: a história de resistência e coletividade contra a ditadura Argentina
clique para exibir bio do colunista
Jansen Lucas é coordenador de criação no O POVO, publicitário, designer e artista visual. Dedica-se a escrever sobre cultura com foco em produções de quadrinhos, cinema e literatura, explorando as conexões entre arte, narrativa e mídia em seus trabalhos
O Eternauta: a história de resistência e coletividade contra a ditadura Argentina
Héctor Oesterheld e Francisco Solano López, "O Eternauta", uma crítica feroz à ditadura argentina e é um poderoso manifesto sobre resistência coletiva é relançado no Brasil e ganha adaptação audiovisual
Foto: Pipoca&Nanquim/Divulgação
Oesteherheld, mesmo diante da repressão brutal, criou uma obra que ecoa como um grito de liberdade contra as ditaduras militares.
Publicado originalmente em 1957 nas páginas da revista argentina Hora Cero, “O Eternauta”, com roteiro de Héctor Germán Oesterheld e ilustrações de Francisco Solano López , é mais do que uma obra-prima dos quadrinhos latino-americanos: é um grito de resistência.
Alegoria política disfarçada de ficção científica, a obra, que foi recentemente relançada no Brasil pela editora Pipoca & Nanquim e ganhou uma adaptação audiovisual no serviço de streaming Netflix, retorna ao centro do debate cultural, reafirmando sua atualidade assustadora.
“O Eternauta” começa com uma misteriosa nevasca que assola Buenos Aires, transformando a cidade em um campo de sobrevivência. A partir disso, um grupo de pessoas comuns se une em busca de sobrevivência (repetição de palavra) e respostas — o que emerge daí não é um “simples” heroi solitário, mas o que Oesterheld chamou de “heroi coletivo”. E este é sem dúvidas o principal recado da obra: diante da opressão e da catástrofe, é somente por meio da ação coletiva que podemos vencer.
A fluidez da narrativa, marcada por um senso de urgência constante, conduz o leitor por um ambiente claustrofóbico e paranoico. De início, os protagonistas enfrentam monstros sem nome, invasores misteriosos e selvagens. Mas, embora violentos, logo se descobre que não passam de marionetes. Os verdadeiros vilões são os que estão no topo da cadeia de comando: os misteriosos “Eles”, uma referência clara ao poder oculto que manipula as massas, patrocina golpes e se esconde atrás de instituições ou aparências democráticas. E essa semelhança não é à toa.
Essa estrutura metafórica se torna ainda mais pungente quando se observa o destino trágico de seu autor. Héctor Oesterheld foi desaparecido pela ditadura militar argentina nos anos 1970 — a mesma que perseguiu e matou suas quatro filhas e seus genros. A repressão identificou no escritor alguém perigoso demais para ser tolerado. Sua escrita era uma arma e “O Eternauta” foi, sem dúvida, um de seus tiros mais certeiros.
A obra não se trata apenas de uma crítica velada ao autoritarismo. Trata-se de um posicionamento político claro, embora embutido na ficção: o controle, a opressão e a desumanização estão nas mãos de quem detém o poder — não apenas político, mas também econômico e simbólico. E a obra Oesterheld aponta para esses mecanismos, num tempo de extrema opressão em seu país natal.
Na adaptação feita pela Netflix, é possível perceber mudanças significativas na estrutura da história — o que é esperado em qualquer transposição midiática. Porém, o essencial permanece: a ideia de que ninguém se salva sozinho, e que o heroi coletivo é o mais poderoso de todos. Embora alguns puristas possam torcer o nariz, a essência do eternauta resiste a qualquer adaptação que mantenha viva, mesmo que minimamente, sua mensagem principal, o que evidencia a força do material original.
(Foto: Pipoca&Nanquim/Divulgação)Cada página de O Eternauta é uma alegoria sobre a luta pela liberdade, onde a sobrevivência não é só uma questão de força, mas de solidariedade
(Foto: Pipoca&Nanquim/Divulgação)Cada página de O Eternauta é uma alegoria sobre a luta pela liberdade, onde a sobrevivência não é só uma questão de força, mas de solidariedade
“O Eternauta” não é apenas uma HQ de ficção científica qualquer. É um documento histórico, uma advertência e um exemplo de como a arte pode ser, ao mesmo tempo, entretenimento e resistência. Em tempos nos quais a democracia volta a ser testada em várias partes do mundo, a leitura se torna não só pertinente, mas necessária.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.