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Assédio no elevador: excesso de cautela ao não identificar o agressor
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Joelma Leal assume como ombudsman do O POVO no mandato 2023/2024. É jornalista e especialista em Marketing. Atuou como editora-executiva de sete edições do Anuário do Ceará, esteve à frente da coluna Layout por 12 anos e foi responsável pela assessoria de comunicação do Grupo, durante 11 anos.

Joelma Leal ombudsman

Assédio no elevador: excesso de cautela ao não identificar o agressor

Foram necessários cinco dias para que O POVO identificasse o abusador
Tipo Opinião
REPRODUÇÃO de vídeo da ação do empresário contra a nutricionista  (Foto: Reprodução Redes Sociais)
Foto: Reprodução Redes Sociais REPRODUÇÃO de vídeo da ação do empresário contra a nutricionista

Israel Leal Bandeira Neto. Eis o nome completo do homem que protagonizou um dos episódios mais deploráveis, que foi a público no início desta semana.

É pouco provável que alguém, pelo menos, no Estado, não tenha assistido ao vídeo ou tenha comentado acerca de uma cena absurda ocorrida em Fortaleza: uma mulher divide o espaço do elevador com um desconhecido e ao sair do equipamento ela tem as nádegas apalpadas por ele. É tão surreal que é difícil imaginar algo tão abominável.

O fato ocorreu no dia 15 de fevereiro de 2024 e as imagens tornaram-se públicas na tarde da última segunda-feira, 18 de março. Quase um mês depois, tempo que, muito provavelmente, foi necessário para que a nutricionista tivesse coragem de se expor, contratar um advogado de confiança e denunciar a situação. Em uma entrevista concedida à TV Verdes Mares o "sem acreditar" foi o que ela mais repetiu. Como acreditar em tamanha invasão? Corajosa define a postura dela ao denunciar.

Graças às imagens das câmeras, foi possível ver, nitidamente, todos os movimentos, inclusive quando após o ato, o agressor procura, rapidamente, fechar a porta do elevador e sai em disparada, rumo ao seu carro. A imagem dele é clara e os dados da placa do veículo são explícitos. Como era de se esperar, não demoraria muito para sua identidade ser revelada e compartilhada em redes sociais. Um pouco mais de tempo e a empresa em que ele trabalhava, a M7 Investimentos, anuncia que "o profissional foi afastado de imediato e em definitivo".

Aí vem o ponto em questão: O POVO não publicou o nome dele. A primeira matéria, ainda na segunda-feira, apresentou o caso e trouxe um serviço, mostrando os diferentes tipos de violência e como as denúncias podem ser feitas. Já a notícia na edição impressa de terça-feira, 19, trouxe o título "Polícia investiga homem que bateu nas nádegas de mulher em elevador". No encerramento do texto o seguinte parágrafo: "O POVO não conseguiu contato com a defesa do homem nesta segunda-feira, 18. Por não haver acusação formal contra ele, O POVO opta por não divulgar a identidade dele".

Ainda na manhã do feriado, a jornalista Maisa Vasconcelos, na data ancorando O POVO no Rádio, na rádio O POVO CBN, abriu o programa com um comentário sobre o assunto. No decorrer da atração, um ouvinte questionou: "Só não entendo o porquê de não divulgarem o nome do tarado". Ao vivo, Maisa e o jornalista Luciano Cesário informaram o nome completo dele e da empresa onde trabalhava.

À noite, a partir da notícia "Assédio em elevador: 'Vídeo não deixa dúvidas do que aconteceu', diz advogado", publicada no portal O POVO, um leitor enviou a seguinte mensagem à ombudsman: "Qual o motivo de vocês não informarem o nome do agressor? Até a empresa onde ele trabalha se manifestou! Se fosse pobre, já estava na manchete".

Critérios da Redação

O questionamento foi compartilhado via comentário interno enviado aos profissionais do Grupo. O editor-chefe de Cidades, André Bloc, respondeu: "Sobre a acusação de que daríamos o nome do assediador se fosse pobre, não confere. O nome dele será dado assim que ele for indiciado pela investigação, denunciado pelo Ministério Público do Estado e virar réu na Justiça. Esse é nosso critério. Não houve prisão, não há flagrante. Os critérios existem justamente para evitar viés, sejam os preconceituosos, sejam os motivados por justiçamento. Se ele se pronunciar oficialmente, o nome também será incluído. Não é sobre quem dá o nome e quem não dá o nome. É sobre cumprir critérios. Dou um exemplo contrário. Houve um feminicídio horrível recentemente no Luciano Cavalcante. Todo mundo deu o nome do assassino. Menos a gente. Por quê? Porque ao dar o nome dele, a gente identificava o filho — que presenciou o pai matando a mãe. Não é desejo de proteger. É, essencialmente, seguir sempre o mesmo critério. Claro, às vezes vamos derrapar. Não creio ser o caso".

Bem, penso que, como costuma repetir uma amiga: "Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa". No caso do bairro Luciano Cavalcante, havia uma criança envolvida. Não tinha o porquê de exibir os nomes do pai assassino e da mãe vítima. A criança precisava ser protegida. Na circunstância envolvendo Israel Leal Bandeira Neto (em tempo: zero ligação com a colunista, apesar do sobrenome!) não há motivo para poupá-lo. Graças às câmeras é possível constatar a invasão. Fazendo uma comparação: diante de um crime ambiental, precisaremos esperar que a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) ou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) sejam acionados, por exemplo?

Ainda nas trocas internas de e-mails, o jornalista Plinio Bortolotti acrescentou: "Nenhum critério jornalístico está escrito em pedra, assim, em alguns casos, as circunstâncias devem ser observadas. A profissão de jornalista permite apresentar uma situação como um fato e não uma versão. Por isso quando um o repórter assiste a uma ocorrência, qualquer que seja ela, ele a reporta sem atribuir o relato a uma fonte, pois ele presenciou o desenrolar do fato. Diferentemente de quando ele não presencia o acontecimento, atribuindo a ‘narrativa’ a testemunhas, ou seja, nesse caso trata-se de versões. Hoje podemos ver, digamos, a olhos nus, e por meio de vídeos, que é o caso da jovem que foi atacada pelo empresário Israel Leal Bandeira Neto. Assim, assistindo ao vídeo, é possível confirmar a importunação sexual e identificar o autor do crime".

O assunto teve repercussão nacional e no O POVO rendeu enquete na rádio, entrevistas, colunas e editorial na edição de quinta-feira, 21. A propósito, no mesmo dia o médico Antonio Silva Lima Neto (Tanta), integrante do Conselho de Leitores 2023, interrogou: "Qual a justificativa para o agressor não ter o nome divulgado nem no editorial nem em qualquer das matérias de O POVO! Israel Leal Bandeira Neto está no G1, no UOL, na Folha de Pernambuco, no Liberal de Belém do Pará. É o manual de redação? Se for, que se modifique. Está em toda parte menos no O POVO. Tornou-se uma informação pública que não se acha no principal veículo de comunicação da cidade. É porque o rapaz é de 'boa família' (espero e acho, sinceramente, que não)? Não se trata de presunção de inocência. É dever publicar a informação de interesse público".

Exato! Apenas na tarde da sexta-feira, 22, matéria do portal O POVO e redes sociais nomearam o agressor. Isso após ele ter sido indiciado por importunação sexual. Na noite anterior, 21, outra matéria mencionou relatos de novas vítimas e noticiou o fato de ele ter prestado depoimento, mas ainda sem dizer quem era o homem. Na mesma noite, O POVO News, no YouTube, informou.

Em suma: demorou! Foram necessários cinco dias para que O POVO identificasse o abusador. Critérios podem e devem ser revistos e alterados. Aí um exemplo claro e desnecessário de excesso de cautela. Ou seja, a burocracia imperou.

 

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