
Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor
Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor
O espetáculo da influenciadora Virgínia Fonseca na CPI das Bets foi uma encenação deprimente. Desde a postura debochada e pouco protocolar da testemunha, sua atitude de absoluto desdém com a sobriedade que deveriam marcar as formalidades do Parlamento, passando pelo evidente despreparo de muitos dos parlamentares, tudo foi triste de ver. Por mais que estejamos acostumados ao circo, em especial nestes tempos de redes sociais, é difícil constatar como perdemos qualidade política, de uma forma muito crua e sem qualquer possibilidade de inspirar algum senso de humor.
Foi um espetáculo triste porque, como tema de fundo, temos um assunto muito relevante: o risco que as empresas de apostas representam para a economia popular, um tema que pede uma análise em múltiplas camadas. De uma perspectiva estritamente liberal, o estado deve atuar o mínimo possível para restringir a autonomia individual. As pessoas devem poder se movimentar, agir e decidir sem maiores constrangimentos, devendo ter autonomia, inclusive, para decidir sobre hábitos e práticas pouco saudáveis que possam ser autodestrutivos. O limite é claro: só não podemos causar risco ao outro.
É uma perspectiva sedutora, mas que só funciona bem em um mundo utópico em que as relações entre as pessoas sejam muito igualitárias e em que as pessoas tenham um bom nível educacional e crítico para avaliar riscos, custos e benefícios sobre suas ações e omissões. Em um mundo atravessado por muitas vulnerabilidades, inclusive educacionais, a ideia de um laissez-faire irrestrito é uma irresponsabilidade, o que nos conduz de volta à necessidade de um papel regulador do estado. Não exatamente uma tutela paternalista, mas a definição de limites mínimos que impõem restrições à autonomia em benefício do próprio interesse social.
Isso posto, querido leitor, fazemos a pergunta: devemos ter autonomia para brincar com jogos de azar e perder dinheiro, assim como temos autonomia para consumir bebidas alcóolicas ou para fumar, dois hábitos insalubres, mas não criminalizados? O Brasil optou por um caminho mais liberalizante, o que permitiu a ampliação significativa da exploração dos jogos de azar no Brasil. Rapidamente, vimos o drama em que o vício em jogo se transformou. Endividamento, descontrole financeiro, risco alimentar - porque se aposta até o que não se tem. Todo um drama potencializado pela publicidade feita por pessoas com grande poder de influência têm via redes sociais.
Virgínia Fonseca explorou o argumento juridicamente aceitável de que agiu dentro do que a lei lhe permitia fazer. A questão passa a ser outra: a lei brasileira precisa ser revista? Será aceitável que atores, influenciadores e outras figuras de prestígio possam anunciar publicamente plataformas de jogo? É aceitável que o Brasil libere de forma tão ampla as apostas?
Embora eu me sinta sempre inclinada a privilegiar a liberdade e a autonomia, tendo a achar que a liberdade deixa de ser capacidade de realizar quando ela só conduz à ruína e ao desamparo. Nesse ponto, estou muito convicta de que é tempo de devolver o azar às surpresas do destino, retirando-o do cotidiano das famílias mais pobres do país.
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