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Aliados e incompatíveis
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor

Juliana Diniz política

Aliados e incompatíveis

Como reunir, no mesmo caldo, uma liderança com identidade histórica de centro-esquerda e a fina flor do radicalismo conservador?
Tipo Opinião

Ciro Gomes subiu ao palanque nesta semana para o anúncio de seu retorno ao PSDB. Chegou de braço dado com o velho amigo Tasso Jereissati, de quem andou afastado por questões eleitorais, mas cujo abraço não constrange. É um político moderado, respeitado pela classe política como um todo, com história reconhecida de trabalho pelo desenvolvimento do Ceará.

A alegria que mostra com Tasso não é vista quando precisa se deixar fotografar com os novos aliados, com quem terá de acertar a mais difícil aliança política que a cena local viu nas últimas décadas. Como reunir, no mesmo caldo, uma liderança com identidade histórica de centro-esquerda e a fina flor do radicalismo conservador? Até onde é possível ir em troca de votos? 2026 vai nos dizer.

É uma aliança envergonhada, necessária, visivelmente incômoda para ciristas e bolsonaristas. A contradição, quando é despudoradamente aparente, é muito difícil de justificar, mesmo para os admiradores cheios de boa vontade com um político de língua grande, bravateiro, dado a hipérboles, arroubos e gafes. Mesmo o pragmatismo eleitoral requer um certo verniz de coerência.

Para Ciro Gomes e Roberto Cláudio, foi um movimento de sobrevivência, de tentativa de preservação de alguma relevância depois do erro estratégico que fez eclodir, no último pleito, as pontes entre PDT e PT no Ceará. Avaliaram que a única saída seria aninhar-se na oposição bolsonarista, dando por inevitável a polarização e considerando impossível qualquer vitória fora do eixo de influência de Lula e Bolsonaro.

Eu me pergunto se essa seria, necessariamente, a única via possível para Ciro Gomes e Roberto Cláudio, considerando a singularidade da conjuntura política depois da condenação de Jair Bolsonaro. A direita nunca esteve tão enredada nos efeitos de seu próprio sucesso e vive um dilema interno difícil, que a fragiliza eleitoralmente. Não seria uma janela de oportunidade para que uma centro-direita mais fresca, jovem e midiática pudesse tomar os corações dos cearenses simpáticos a Ciro?

Mesmo o nome de Roberto Cláudio não renderia uma candidatura desprezível, porque, além do recall, não há, do lado dos bolsonaristas, um nome com musculatura para disputar uma eleição majoritária com capacidade de cooptação de um eleitor de centro antipático ao PT e reativo a Bolsonaro. Mais do que isso, a batalha interna ao campo bolsonarista por protagonismo já vem rendendo embates fratricidas. Seria uma chance, quem sabe, para um nome que superasse o radicalismo.

O que temos é uma aliança inexplicável entre aliados visceralmente incompatíveis. Vejamos se o desejo de poder que os irmana será suficiente para reuni-los em torno de uma campanha competente e viável no próximo ano.

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