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Saúde pública e dignidade humana não pertencem a nenhum espectro político
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É doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisa agendas internacionais voltadas para as mulheres de países periféricos, representatividade feminina na política e história das mulheres. É autora do livro de contos "Alma Feminina"

Kalina Gondim comportamento

Saúde pública e dignidade humana não pertencem a nenhum espectro político

No dia 9 de dezembro deste ano, a Comissão da Câmara rejeitou o PL que pretendia combater a pobreza menstrual
PL que ia distribuir absorventes gratuitos em presídios foi vetado pela Câmara (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil PL que ia distribuir absorventes gratuitos em presídios foi vetado pela Câmara

Há tempos venho refletindo a respeito da indiferença e insensibilidade humana frente às injustiças e retrocessos sociais.

Confesso que faço um esforço contínuo e incessante para não declinar em incredulidade e desesperança, mas o cenário político no Brasil desafia os mais otimistas.

Semana passada, li a seguinte manchete: “Deputados votam contra ter papel higiênico e absorventes nos presídios femininos”. O uso de um simples produto de higiene, como o absorvente íntimo, produz nos dias atuais um alarde alimentando a polarização política que tanto empobrece nossos horizontes.

Construí uma linha do tempo para auxiliar os leitores a entender a contenda formada em torno de algo que deveria ser trivial.

Em 2021, o então presidente Bolsonaro vetou a distribuição de absorventes a estudantes da escola pública e mulheres com extrema vulnerabilidade econômica.

Já em 2022, o Congresso derrubou o veto de Bolsonaro, no ano posterior a comissão de defesa dos direitos das mulheres da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei (PL) que obriga penitenciárias femininas a oferecer às mulheres presas papel higiênico, absorvente íntimo e fralda infantil para as
mães acompanhadas dos filhos. Por fim, semana passada questões relacionadas à higiene feminina voltaram a ocupar os noticiários.

Nesse cenário, chamou atenção a postura de muitos deputados que abordaram uma questão de saúde pública, direitos humanos e dignidade humana de forma profundamente ideologizada, atribuindo aos partidos de esquerda uma luta que na verdade, deveria transcender todos os espectros políticos, pois a pobreza menstrual, como vem sendo denunciada pela Organização das Nações Unidas (ONU), é determinante para a frequência escolar de muitas meninas da escola pública e para a saúde e bem-estar das mulheres em geral.

O tema da pobreza menstrual foi o assunto do documentário Absorvendo o tabu de 2019 e esse ano o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) abordou o fenômeno em uma de suas questões.

Vale ressaltar que a falta de condições para as mulheres acessarem a dignidade menstrual no Brasil rendeu uma denúncia à comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH).

É de uma clareza meridiana a relutância dos políticos brasileiros em debater o tema e construir estratégias de enfrentamento à pobreza menstrual.

Dessa omissão resultam milhares de mulheres vítimas de infecções e outras doenças advindas da ausência de higiene íntimo. A situação fica mais complexa quando essa omissão se combina ao ódio e à desumanização dirigidos à população feminina encarcerada.

Os discursos de muitos políticos que votaram contra a distribuição de papel higiênico e absorvente íntimo nos presídios ultrapassam qualquer reflexão que tenha como parâmetro a justiça.

O que se sobressai é a pura e simples vingança e o desejo indisfarçável de tornar ainda mais objetificados e desumanizados os corpos que estão atrás das grades.

É sabido que, no Brasil, a população carcerária feminina quadruplicou em 20 anos, sendo atualmente a terceira maior do mundo. Esses dados nos mostram com clareza o tamanho do desafio do país quando o assunto é a plena dignidade menstrual nos presídios femininos e fora deles.

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