Saúde pública e dignidade humana não pertencem a nenhum espectro político
É doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisa agendas internacionais voltadas para as mulheres de países periféricos, representatividade feminina na política e história das mulheres. É autora do livro de contos "Alma Feminina"
Confesso que faço um esforço contínuo e incessante para não declinar em incredulidade e desesperança, mas o cenário político no Brasil desafia os mais otimistas.
Construí uma linha do tempo para auxiliar os leitores a entender a contenda formada em torno de algo que deveria ser trivial.
Em 2021, o então presidente Bolsonaro vetou a distribuição de absorventes a estudantes da escola pública e mulheres com extrema vulnerabilidade econômica.
Já em 2022, o Congresso derrubou o veto de Bolsonaro, no ano posterior a comissão de defesa dos direitos das mulheres da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei (PL) que obriga penitenciárias femininas a oferecer às mulheres presas papel higiênico, absorvente íntimo e fralda infantil para as mães acompanhadas dos filhos. Por fim, semana passada questões relacionadas à higiene feminina voltaram a ocupar os noticiários.
Nesse cenário, chamou atenção a postura de muitos deputados que abordaram uma questão de saúde pública, direitos humanos e dignidade humana de forma profundamente ideologizada, atribuindo aos partidos de esquerda uma luta que na verdade, deveria transcender todos os espectros políticos, pois a pobreza menstrual, como vem sendo denunciada pela Organização das Nações Unidas (ONU), é determinante para a frequência escolar de muitas meninas da escola pública e para a saúde e bem-estar das mulheres em geral.
O tema da pobreza menstrual foi o assunto do documentário Absorvendo o tabu de 2019 e esse ano o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) abordou o fenômeno em uma de suas questões.
Vale ressaltar que a falta de condições para as mulheres acessarem a dignidade menstrual no Brasil rendeu uma denúncia à comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH).
É de uma clareza meridiana a relutância dos políticos brasileiros em debater o tema e construir estratégias de enfrentamento à pobreza menstrual.
Dessa omissão resultam milhares de mulheres vítimas de infecções e outras doenças advindas da ausência de higiene íntimo. A situação fica mais complexa quando essa omissão se combina ao ódio e à desumanização dirigidos à população feminina encarcerada.
Os discursos de muitos políticos que votaram contra a distribuição de papel higiênico e absorvente íntimo nos presídios ultrapassam qualquer reflexão que tenha como parâmetro a justiça.
O que se sobressai é a pura e simples vingança e o desejo indisfarçável de tornar ainda mais objetificados e desumanizados os corpos que estão atrás das grades.
É sabido que, no Brasil, a população carcerária feminina quadruplicou em 20 anos, sendo atualmente a terceira maior do mundo. Esses dados nos mostram com clareza o tamanho do desafio do país quando o assunto é a plena dignidade menstrual nos presídios femininos e fora deles.
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