Apesar de ser um processo natural do corpo e acontecer desde os tempos mais remotos, a menstruação ainda é um fenômeno biológico cercado de tabus — que, no Brasil, vão além da questão cultural e são acentuados, também, pelas desigualdades socioeconômicas.
Sem recursos, milhões de pessoas atravessam esse período uma vez a cada mês sem ter acesso a itens básicos de higiene, como absorventes. A carência desses insumos se soma à falta de conhecimento ou infraestrutura necessários para vivenciar o ciclo menstrual de forma digna, e recebe o nome de pobreza menstrual.
Pessoas em condição de vulnerabilidade, em situação de rua ou em regime carcerário acabam por fazer uso de produtos não indicados para absorver o sangramento, recorrendo a itens como papel higiênico, panos, roupas, jornais e até miolo de pão.
O estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, lançado em maio do ano passado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), revelou que 4 milhões de crianças e adolescentes que menstruam não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas e 713 mil vivem em lares sem banheiro ou chuveiro no País.
> Na pesquisa, 62% afirmaram que já deixaram de ir à escola ou a algum outro lugar de que gostam por causa da menstruação, e 73% sentiram constrangimento nesses ambientes.
O impacto da pandemia na renda dos brasileiros também afetou o cenário: em um levantamento feito pela Johnson & Johnson Consumer Health no ano passado com mulheres das classes C/D, 29% das entrevistadas alegaram dificuldades financeiras para comprar produtos para menstruação e 21% afirmaram ter dificuldade todos os meses.
“Esse problema está ligado ao conceito de pobreza no geral”, avalia a economista Silvana Parente, presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE). “Com o índice de pobreza muito alto, as pessoas precisam de dinheiro para comer. Além disso, no Brasil esse produto não é classificado como item de necessidade básica, é tributado como cosmético, perfumaria”, explica.
As questões sociais estão muito mais atreladas às questões tributárias do que se imagina, e a luta no combate à pobreza menstrual também passa por essa esfera: em um momento de crescente desigualdade, o Brasil é um dos países que mais tributa absorventes no mundo — hoje, mais de 1/3 do valor pago neles é imposto, uma tributação média de 34,48%,
> Países como Índia, Austrália, Quênia e Canadá não taxam esses itens
Atualmente, considerando um custo médio de R$ 0,45 por um pacote de marca popular com 32 unidades e cerca de 450 ciclos menstruais durante toda a idade fértil, que dura aproximadamente 37 anos (desde o primeiro ciclo menstrual até a menopausa), estima-se um gasto médio de pelo menos R$ 4 mil com absorventes descartáveis.
As questões fiscais acabam por oferecer uma oportunidade de trazer o problema social para a linha de frente, recebendo visibilidade e gerando mudanças. Foi o que aconteceu no Ceará em 2021, quando a secretária da Fazenda, Fernanda Pacobahyba, anunciou a isenção do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre absorventes íntimos, coletores e discos menstruais.
Por meio do decreto nº 34.178/2021, o Estado aderiu ao Convênio ICMS n.º 70/21, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que autoriza a isenção do ICMS nas operações internas com produtos essenciais ao consumo popular que compõem a cesta básica, incluindo itens de higiene íntima como absorventes.
> Com a medida, compete aos estados e ao Distrito Federal realizarem a dispensa do crédito tributário em “operações realizadas com absorventes íntimos femininos, internos e externos, tampões higiênicos, coletores e discos menstruais, calcinhas absorventes e panos absorventes íntimo”
“Nossa tributação é uma tributação regressiva, que pesa mais sobre quem tem menos. Ela vai tributando itens fundamentais, muitas vezes mais do que os itens supérfluos. A gente tributa menos as pessoas que têm mais dinheiro, então nosso sistema tributário é muito injusto. A carga tributária sobre consumo no Brasil é das maiores do planeta, e normalmente quem mais consome proporcionalmente a renda são as pessoas mais pobres, porque basicamente aquilo que elas têm de renda vai diretamente para o consumo das próprias famílias”, aponta a titular da Sefaz-CE.
As medidas entraram em vigor em meio à intensa movimentação política sobre o tema, desencadeada pelo Governo Federal após o presidente Jair Bolsonaro sancionar a lei 14.214, que vetou a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes carentes, mulheres em situação de vulnerabilidade e presidiárias.