Logo O POVO+
O lugar, a política, a representação e a expectativa social
Foto de Kalina Gondim
clique para exibir bio do colunista

É doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisa agendas internacionais voltadas para as mulheres de países periféricos, representatividade feminina na política e história das mulheres. É autora do livro de contos

Kalina Gondim comportamento

O lugar, a política, a representação e a expectativa social

Caro leitor, a digressão histórica se faz necessária para elucidar a reedição na atualidade de atos opressivos contra mulheres que apresentam raízes pretéritas que a humanidade não conseguiu extirpar
Tipo Opinião
Ministra de Estado do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva
 (Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado Ministra de Estado do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva

Segundo a escritora francesa Michelle Perrot, a política foi o último lugar ao qual as mulheres tiveram acesso. Ainda nos dias atuais, assistimos à dificuldade de mulheres em ter acesso e permanência na política institucional.

No Brasil, são bastante expressivas as fraudes em cotas femininas e os episódios de violência política de gênero - prática criminalizada desde o ano de 2021 - é sintoma do quanto os parlamentos são lugares inóspitos para mulheres, notadamente para aquelas que se posicionam contra privilégios e marginalizações. Segundo a OXFAM Brasil, mulheres ocupam menos de 15% das cadeiras das câmaras do legislativo em 70 países.

A falta de apoio por parte dos próprios partidos e o medo dos ataques à sua honra, imagem e reputação explicam o dado supracitado. O machismo estrutural e a misoginia despontam nas falas em momentos de tensionamento em torno de ideias e projetos.

O debate, como elemento núcleo da democracia, sucumbe ante às agressões verbais e os cortes no microfone de parlamentares femininas, o que demonstra o desconforto inominável de homens que desejam silenciar mulheres a todo custo.

Em março deste ano, o senador Plínio Valério (PSDB – AM) falou em “enforcar” a ministra Marina Silva. É inútil dizer que o enforcamento de mulheres era algo muito recorrente na Era Medieval. No contexto do fenômeno chamado caça às bruxas. Na Revolução Francesa, os ataques não cessaram. Olympe de Gouges, figura emblemática do movimento, foi guilhotinada pelo fato de ter a ousadia de escrever a Declaração da Mulher e da Cidadã.

Caro leitor, a digressão histórica se faz necessária para elucidar a reedição na atualidade de atos opressivos contra mulheres que apresentam raízes pretéritas que a humanidade não conseguiu extirpar.

Semana passada, em uma audiência na Comissão do Senado, a ministra Marina Silva foi novamente atacada. Desta vez pelo senador bolsonarista Marcos Rogério (PL–RO), que emitiu a frase: “Se ponha no teu lugar”. Mas, afinal, qual é o lugar de uma ministra, senão debatendo em uma comissão?

A definição de lugares, territórios, cercas e fronteiras são próprias do estabelecimento de distintivos sociais.

Ainda na Grécia Antiga, tínhamos a Pólis, lugar eminentemente masculino, de debates, autonomia e poder, em contraposição ao Oikos, o lugar do enclausuramento, do privado, do invisível e do silente, neste espaço, predominava a presença feminina.

O lugar não é apenas uma questão territorial, é cultura, representação social, papéis e expectativas, e os preconceitos sempre tentam “realocar” pessoas em seu devido lugar, pois essa é uma forma de manterem intactos os privilégios, os desmandos, as velhas alianças e conchavos.

Apesar da explícita violência de gênero sofrida por Marina Silva, não sejamos inocentes de acharmos que se a ministra fosse adepta da política de “passar a boiada”, ela teria sofrido as mesmas violências.

A ministra foi atacada por seu gênero, cor, mas também pelo projeto de preservação ambiental que os homens brancos tanto querem atacar. O patriarcado que promove o ódio às mulheres é o mesmo da lógica destrutiva ambiental, da concentração de riqueza e de poder. Tudo está em um mesmo edifício social.

Foto do Kalina Gondim

Histórias. Opiniões. Fatos. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?