jornalista, com pós-graduação em Propaganda e Marketing (Uni7) e em Moda e Comunicação (Universidade de Fortaleza). Já atuou como assessora de comunicação, repórter do Núcleo de Revistas do O POVO, jornalista na área de branding e design, e produtora de conteúdo no Penteadeira Amarela, um dos primeiros blogs de comportamento do Ceará. A ligação com a moda surgiu ainda na faculdade, quando teve contato com os bastidores da moda, passando a vê-la como forma de expressão individual, de manifestação cultural e de reflexão social. Atualmente, é editora-adjunta de projetos do O POVO.
Foto: Mariane Leal/Divulgação
Mariane Leal é historiadora de moda
A biografia de Carol Lardoza no Instagram já traduz muito bem as suas áreas de atuação: Moda consciente; História da moda; O Mundo Fashion com Olhar Social; Sustentabilidade, democratização e brasilidade; Consultoria de conteúdo de moda.
Mas seria injusto e incorreto sintetizar todo o trabalho da jovem de 28 anos, filha e neta de costureiras, em pouquíssimas linhas. Carol surgiu no meu feed "aleatoriamente" (obrigada, algoritmo) e, desde a primeira aparição, me encantei pela linguagem, provocações e profundidade dos seus conteúdos.
Com sotaque carioca e peças de oncinha, a garota que vive no Bangu une História e Moda ao seu dia a dia que foge do glamour da maioria das influenciadoras, traz um ponto de vista que condiz com a realidade da grande maioria dos brasileiros e enaltece os saberes ancestrais e a própria cultura.
Carol, no fim, puxa a gente para uma moda real, palpável, usável, que traduz quem somos e nada chata. Praticamente os votos dessa coluna para 2026!
O POVO - Vou começar perguntando o que sempre fica nas entrelinhas quando se trabalha com moda. Falar de moda é ser fútil?
Carol Lardoza - Eu também passei por esse dilema na academia. Eu fiz História na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e decidi pesquisar sobre História da Moda. Isso em 2015.Algumas pessoas antes de mim obviamente já tinham feito esse movimento, mas ainda assim era uma coisa muito delicada para se trabalhar dentro do ambiente das ciências humanas. Por vezes, eu me vi disputando esse lugar de mostrar que não é fútil, inclusive que moda é um objeto de pesquisa, uma representação historiográfica, e diz muito hoje quando a gente pensa em sustentabilidade, por exemplo, que é um tema super urgente, que faz a gente repensar sobre práticas de design, manualidades. A moda anuncia muitas questões particulares sobre a nossa sociedade, a forma como a gente se relaciona, como indivíduo e coletivamente. A última coisa que ela é, é fútil. A gente consegue, a partir da moda, extrair muito noções e novas concepções do mundo.
O POVO - Em que momento você percebeu a importância do vestir como forma de expressão pessoal e instintiva?
Carol - Sou filha e neta de costureiras. Costureiras que não se enxergavam como produtoras de moda, que por vezes enxergavam esse trabalho como algo dentro da hierarquia do trabalho, como se fosse um bico, um complemento da renda, como se trabalhar com moda não fosse viável no sentido financeiro. Herdei muito esse olhar cuidadoso que elas tinham sobre o vestir, sobre construir essa peça. Eu não herdei o dom da costura. Uma pena, porque eu não tenho essa prática na minha vida. Só do fazer delas, já consegui compreender muito sobre roupas, sobre cores, sobre combinações. Então veio muito dessa herança familiar, mas obviamente eu passei por um processo particular sobre isso. O meu estilo mudou muito, por exemplo, quando eu fiz a minha transição capilar. Está muito relacionado à identidade. Comecei a entender isso de uma forma mais intrínseca, quando eu percebi esse movimento em mim. O meu cabelo mudou e a forma como eu uso acessórios mudou, as cores também, eu queria ressaltar cada vez mais o meu cabelo. Percebo que essa relação é muito voltada para o que a gente vive enquanto contexto, enquanto realidade e, principalmente, o quanto que a gente faz dessas leituras a partir da nossa vivência. No meu caso, foi a partir dessa mudança. Mas para as outras pessoas acontecem de maneiras muito específicas, a partir do que elas vivenciam no cotidiano.
De qualquer modo, outra coisa que eu tenho certeza é que todo mundo se expressa pela moda, mesmo que a pessoa ache que não tem estilo, que não sabe nada sobre moda, com certeza ela tem uma assinatura.
OP - É difícil achar o próprio estilo, construir a própria imagem? O que impede qualquer pessoa de se olhar no espelho e se ver por inteiro?
Carol - Realmente é uma construção pra vida toda. Não vai ter um momento que a gente vai olhar e falar assim: "Nossa, eu encontrei o meu estilo". Pode ser que você se sinta super feliz com ele e ainda assim diga: "Ah, eu não sei se eu sou tão estilosa assim".
Às vezes, para as outras pessoas que estão no seu entorno, seja mais claro e objetivo dizer isso. E pra gente esse olhar é mais complicado, principalmente nesse universo de rede social, onde há uma comparação infinita. Parece que a gente nunca está satisfeito com o que a gente comprou, com o que tem. Estamos todo o tempo sendo expostos a novas opções. A tendência do momento, a cor do ano. E você fica: "Eu não tenho isso, como vou me encaixar?". Acho que realmente é uma construção longa, mas quando a gente olha pro nosso armário e vê o que se repete, com o que a gente se sente confortável, é ali que a gente anuncia o que é mais íntimo nosso. Sou uma pessoa que tenho muitas calças, eu tenho pouquíssimos shorts. Porque eu estou sempre na correria, no ônibus, e eu não me sinto confortável de estar de short. Por essa rotina louca e por questão de gênero também, nós mulheres sofremos muitas violências. O estilo é muito atravessado pela nossa realidade. E a compra se relaciona a ela. Não é algo que está dado e que a gente encontra em algum lugar, mas que é construído ao longo da nossa jornada e das alterações da nossa vida também.
OP - Ao mesmo tempo que se bate na tecla do Brasil ser latino, sinônimo de cores e movimentos, o minimalismo parece que continuará em pauta em 2026. É possível haver uma convivência harmônica entre a latinidade colorida e o minimalismo eurocentrista?
Carol - Acredito que o Brasil, a América Latina, de forma geral, tem essa vibração tanto na cultura quanto na cultura material, nas roupas. O que eu fico mais receosa é quando a gente quer importar esse olhar do que é moda. Quando a gente importa isso, a gente importa roupas que não cabem no nosso clima, na nossa rotina. Essa estética do branco, do aesthetic, que por vezes é a gente tentando caber dentro de uma outra realidade, de uma outra cultura que, em determinado momento, foi muito violenta com a gente, já que nós fomos um país colonizado. Muitas das nossas culturas materiais foram silenciadas, propositalmente, para caber dentro dessa estética. Eu sempre questiono: será que você está querendo mesmo usar um blazer, porque você gosta ou é uma padronização, você tentando ser respeitada? A gente importa esses conceitos, o que é sucesso, o que é ser rico. Como é a roupa de rico? Quais são as referências que a gente tem em relação a isso? E aí, em contraponto, a gente tem a roupa de pobre. E está a todo tempo essas tensões sociais para demarcar território. É possível isso coexistir, mas é preciso estar atento se isso não é mais uma violência simbólica, se não é mais uma forma da gente se rotular, padronizar a partir do que é visto por aí.
OP - Você fala muito sobre a relação entre "dom", reconhecimento, referência e intuitivo. Que um tem relação com o que é adquirido e está diretamente ligado ao acesso ao conhecimento "pago" como cursos, universidades, viagens, e o herdado culturalmente e vivenciado no dia a dia. Por que esses conhecimentos são postos em dicotomia?
Carol - Eu tenho estudado bastante sobre isso agora no mestrado, que são essas legitimações dentro de alguns campos. No meu caso, estou no campo do design, da moda. E como essas pessoas precisam ser legitimadas por outras, ou por uma instituição, ou por um diploma, para dizer: "Olha, você é designer, você é produtor de moda, você é um criador, você é um estilista".
Quando na verdade isso parte mais de um saber cultural, de uma prática diária, do que dessas legitimações de instituições; Eu sempre me preocupo em trazer essa pauta até pro digital, para que as pessoas entendam que uma coisa é a prática. Essa manualidade, esse fazer que constitui o nosso país em nível de cultura material, de patrimônio, de memória.
E outra coisa é a institucionalização desse processo. Óbvio que dentro de um sistema que a gente vive é importante ter essas legitimações até pra gente ter organização de direitos trabalhistas e tudo mais.
Só que eu sempre percebo um perigo entre o design enquanto um trabalho intelectual que deve ser valorizado, quase que no lugar de genialidade, de dom, de algo extraordinário, de criatividade. E o artesanato como hobby, que pode ser barato, da esquina, de uma tia que faz e que na feirinha custa R$ 10.
Só que fazem parte do mesmo universo do conhecimento. Quando eu falo sobre isso, é para trazer essas questões à tona, pra gente entender que esse processo precisa ser tão valorizado quanto um processo que está dentro de um ambiente acadêmico.
OP - Falta também uma orientação, uma conscientização do artesão, da costureira, de que aquilo que ela faz é importante, é valoroso, é relevante?
Carol - Acho que para você valorizar o seu trabalho, primeiro você tem que entender que você pode se sustentar com ele. Às vezes, essas mulheres estão ali numa luta, fazendo esse trabalho manual que não é nada valorizado, ganhando muito pouco.
Só é valorizado quando uma grande marca passa lá, pega o trabalho dela e coloca numa visibilidade, numa vitrine. E mesmo assim, elas não são colocadas como autoras desses trabalhos. Então é um processo sistêmico de valorização, de ver como um trabalho.
OP - Você fala muito sobre moda de segunda mão também, levanta muito essa bandeira…
Carol - É o futuro da moda. Eu acho que a gente não pode produzir mais nada. Por mim, a gente parava para as máquinas, parava tudo. Vamos usar só o que resiste. Usa, usa, usa até dizer chega. De fato, a gente não tem mais condições de produzir em larga escala dentro desse sistema que é exploratório.
Desde a questão do trabalho dessas pessoas, que não é valorizado e que trabalham em escalas super degradantes, até a questão do planeta. A gente não tem mais recursos para isso, a gente já poluiu tudo que 'devia' e não podia.
De fato, a circularidade, a moda de segunda mão, é uma opção viável mesmo para quem não tem nenhum entendimento sobre sustentabilidade. A pessoa fala: "Tem um brechó na minha cidade que eu gosto, que de repente eu encontro uma coisa legal".
É algo que cabe no bolso, porque a minha preocupação de falar de sustentabilidade é não excluir as pessoas desse discurso. Porque as pessoas dizem: "Carol, beleza, essa marca é maravilhosa, linda, tem os processos transparentes, mas não cabe no meu bolso".
Qual é a outra opção que eu vou dar para essa pessoa, a outra via? Eu vejo a segunda mão muito nesse lugar.
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