Marília Barreira atua como psicóloga e psicopedagoga clínica de crianças, adolescentes, adultos e idosos, assim como consultora em Psicologia. Professora do Curso de Psicologia na Universidade de Fortaleza (Unifor). Experiência na área de Psicologia, com ênfase em Educação, Psicologia Clínica, Psicologia Social e Identidade de Gênero e Diversidade Sexual
Viviane sinaliza um passo à frente, mas não encerra a jornada. Como sociedade, precisamos exigir que a visibilidade trans se torne normalizada, plural e integrada, não apenas como "caso de inclusão"
Foto: Divulgação/Instagram/gabrielaloran
A atriz Gabriela Loran, integrante da novela "Três Graças"
Desde quando a mídia de massa começou a representar minorias com alguma visibilidade, o caminho foi lento e repleto de clichés. Hoje, com avanços importantes (embora ainda insuficientes) torna-se possível afirmar que a presença de personagens trans em horários nobres não é apenas simbólica: é política.
A personagem Viviane, interpretada por Gabriela Loran na novela “Três Graças”, surge como exemplo contemporâneo de como essa visibilidade pode operar de modo mais complexo, significativo e alinhado ao feminismo interseccional. Mas também revela onde ainda precisamos avançar.
Viviane é uma mulher trans, farmacêutica, amiga de longa data da protagonista, que transita por vários núcleos narrativos da trama e não está confinada a um “personagem trans” cuja única função seja a discriminação ou o sofrimento.
A personagem desafia esse modelo ao ser formulada como profissional, como amiga, como par romântico, com protagonismo narrativo.
Mas, por que a visibilidade importa? No âmbito do feminismo interseccional — que considera gênero e raça e classe (e, por vezes, identidade de gênero e orientação sexual) como eixos inseparáveis de opressão e privilégio. A simples presença de uma mulher trans preta e periférica já constitui um avanço estrutural.
A mídia brasileira historicamente reprisa estereótipos: pessoas trans como “vilãs”, “coitadas”, “brincadeiras” ou “alívios cômicos”. Romper isso dá voz, e contraria um sistema simbólico que determina quem “merece” protagonismo, quem “é” sujeito de história.
Representações acabam reproduzindo vieses quando não levam em conta as especificidades interseccionais.
Por exemplo: vivência trans + vida periférica + negritude + classe trabalhadora são eixos que se cruzam, e, se a narrativa não os articula, corre-se o risco de tratar o “personagem trans” como categoria isolada. A mera “inclusão” simbólica não desmonta esses nós.
A visibilidade deve corresponder a transformação estrutural. Que atores/as trans tenham acesso a papéis diversos, que roteiros sejam escritos com autoria trans ou com consultoria qualificada, que não se “responsabilize” apenas o personagem isoladamente por todo o discurso de diversidade.
A atriz relata ter sofrido transfobia após aceitar o papel. Esse dado não é menor: porque mostrar uma mulher trans na novela não implica automaticamente que o ambiente de trabalho, a produção ou a recepção cultural tenha sido alterada. Trata-se de um simbólico que precisa ganhar consistência.
Por fim, o feminismo interseccional exige que questionemos não só “quem aparece”, mas “como aparece”. Viviane aparece em “Três Graças” num momento propício, as discussões sobre identidade de gênero, reconhecimento, segurança de pessoas trans, são vibrantes no Brasil e no mundo.
Em 2025, o Brasil continua entre os países que mais registram assassinatos de pessoas trans. A mídia pode desempenhar papel vital: tanto ao humanizar, dar rosto, dar complexidade, quanto ao desconstruir preconceitos. O/A personagem trans já não pode mais ser “o diferente”, precisa ser “um de nós”.
Se a narrativa tratar a condição como trauma contínuo, se enquadrar no “problema trans” em vez de “vida trans”, então a visibilidade se torna palco de sofrimento em série e não de afirmação.
Viviane sinaliza um passo à frente, mas não encerra a jornada. Como sociedade, precisamos exigir que a visibilidade trans se torne normalizada, plural e integrada, não apenas como “caso de inclusão”, mas como parte viva da trama social, da economia, das famílias, da política.
E que nós saibamos perceber: quem está falando, quem está ouvindo, quem está escrito, quem está representado, e, sobretudo, quem está atuando.
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