Desde menina, considero infalível uma receita de família: transformar em torradas um bolo que deixou de apetecer, pois perdeu o frescor, o gosto dos primeiros dias, embora continue bom para consumo. Vem da minha infância a memória da mão fatiando com uma faca serrilhada e acomodando os pedaços cortados na assadeira rasa.

O forno preaquecido em 160 ºC recebe o conjunto, e a forma lá dentro permanecerá até a textura ficar dourada. Isso acontece entre 15 e 20 minutos. É curioso ver como o cheiro quente, de imediato, resgata o interesse de quem anteriormente manifestou descaso.

O vidro grande de tampa hermética exibe o desejável conteúdo, e este muito rápido se esvazia. Não há sobras. Sucesso garantido e confirmado pelas gerações mais diversas. Meus filhos adoram, comem e repetem.

Ao lavar o pote vazio, ocorre-me a epifania: o segredo culinário e o afeto que impedem o desperdício bem poderiam se estender a outros aspectos do nosso cotidiano. Uma decisão ruim, por exemplo, seria seguida de uma mudança de atitude.

Reciclaríamos sonhos guardados, planos não realizados, preconceitos, temores, tudo aquilo que nos paralisa ou limita. Se a vida perder o sabor, que consigamos encontrar um novo sentido. E o façamos com a simplicidade de uma fornada de fatias de bolo.