Marília Lovatel cursou Letras na Universidade Estadual do Ceará e é mestre em Literatura pela Universidade Federal do Ceará. É escritora, redatora publicitária e professora. É cronista em O Povo Mais (OP+), mantendo uma coluna publicada aos domingos. Membro da Academia Fortalezense de Letras, integrou duas vezes o Catálogo de Bolonha e o PNLD Literário. Foi finalista do Prêmio Jabuti 2017 e do Prêmio da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil – AEILIJ 2024. Venceu a 20ª Edição do Prêmio Nacional Barco a Vapor de Literatura Infantil e Juvenil - 2024.
Foto: Carlus Campos
Ilustração para a crónica 'A arte divina do silêncio', de Marilia Lovatel
Descobri a intolerância ao barulho — ao excesso de ruídos a que diariamente somos submetidos — quando o desejo pelo silêncio se manifestou também em minha escrita literária. De uns anos para cá, as lacunas intencionais vêm ganhando força na ficção que produzo.
Elas estão muito presentes e atribuíram uma perspectiva nova aos textos dos meus dois últimos livros, cujos títulos carregam a marca da brevidade.
O breve romance é um gênero que venho moldando por acreditar que, em um texto, os silêncios e as pausas importam tanto quanto as palavras. O uso desse recurso vai além da necessidade da síntese — obsessão dos poetas —, algo que os escritores de modo geral perseguem, assombrados pela ideia de serem autores de palavras supérfluas, das frases dispensáveis, da verborragia que aborrece o leitor.
Foto: Carlus Campos
Ilustração para a crónica 'A arte divina do silêncio', de Marilia Lovatel
Literatura exige precisão. Ou seja, não há nada pior que os ruídos criando uma perturbação nas linhas - e nas entrelinhas.
Sobre o tema, tomo por empréstimo de Huberto Rohden, filósofo, educador e teólogo brasileiro, uma definição maravilhosa: "Silêncio é receita — ruído é despesa. E quem tem mais despesas do que receitas abre falência. Aliás, esta nossa pobre humanidade de hoje está permanentemente falida".
É preciso estar em silêncio para ouvir a nós mesmos, entrar em contato com a nossa essência e com o divino, como nos ensinou o imortal Gilberto Gil, ao escrever e cantar "Se eu quiser falar com Deus, tenho que calar a voz".
Contudo, há uma grande diferença entre silêncio e vazio. No silêncio há plenitude de sentido, não escassez. Ausência e vacuidade podem caracterizar justamente o contrário: a entrega da alma à insalubridade dos sons altos, absurdos decibéis.
Sinto que devo silenciar para encontrar a história a ser contada. E povoá-la com seus personagens. E, no fluir da narrativa, me permito — assim como ao leitor — fazer paradas, retomar o fôlego antes de prosseguir.
Almejo dizer somente o que o silêncio não conseguir expressar. Tento economizar explicações, o que não é simples, porque isso demanda esperar, depender do tempo alheio, contar com a sensibilidade do outro, respeitar a capacidade de quem nos lê.
E a tentação de invadir as fronteiras territoriais que separam escritor de leitor nos atormenta como a Cristo no deserto — para onde, sabemos, ele se retirou em busca de silêncio.
Somos desafiados a equilibrar a resistência à facilidade de entregar tudo pronto e o risco de tornar o texto hermético, por demais enigmático, inacessível. A chave para abrir tal universo deve dar duas voltas bem dadas, a da clareza que revela e a da contenção que aguarda.
Acertar a mão nesses movimentos é aprendizado sutil, filigrana do campo das delicadezas. Algo a que preciso me dedicar por toda a vida, disso estou muito consciente. Sou aprendiz da divina arte do silêncio.
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