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Por mais delicadeza no nosso dia a dia
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Nello Rangel é psicólogo, arte-terapeuta, consultor e um apaixonado pela literatura de Guimarães Rosa

Nello Rangel comportamento

Por mais delicadeza no nosso dia a dia

Logo, não seria a delicadeza uma característica das pessoas verdadeiramente inteligentes? Abrace a delicadeza. Cesse a corrida desesperada. Sinta os momentos em sua mão. E volte a viver. Vale a pena tentar?
Ilustração: Presente, pintura de Nello Rangel (Foto: Acervo do autor)
Foto: Acervo do autor Ilustração: Presente, pintura de Nello Rangel

Outro dia, caminhando pela rua, me assustei com uma buzinada. Um motorista estava muito irritado com alguém mais lento à sua frente que procurava uma vaga para estacionar o carro. Critiquei mentalmente o cidadão, pois bastava esperar um pouco para que o colega estacionasse ou para que ele próprio pudesse pegar a pista da esquerda e seguir adiante. E de nada adiantou a buzinada hostil que dera, uma vez que ele teve mesmo que esperar que o processo terminasse.

Mas, quase de imediato, caí em mim e me lembrei das vezes que fiquei irritado com alguém que dirigia mais lentamente. Ou que buzinei quando bastava ter um tiquinho de solidariedade e esperar um pouco. E, se eu estava atrasado e, por isso, aflito, quem é que deveria ter se antecipado e saído um tanto antes, já que o trânsito está cada vez pior?

Após essa pequena crise de humildade tive a ideia de propor no Facebook uma micro-campanha pela delicadeza no cotidiano: Qual a pequena atitude que poderia deixar seu dia melhor?

Alguns sugeriram ouvir mais e ter paciência nas relações. Outros que seria interessante minimizar as reações de raiva que temos quando alguém faz algo que julgamos errado. Teve gente ainda que propôs atitudes delicadas de cuidado, como cumprimentar e despedir com beijos ou abraços. Desculpar e pedir desculpas também foi lembrado. Entender as razões alheia e tentar colocar-se no lugar do outro veio em seguida. E muitos comentários mais.

 

"A capacidade de parar ou ao menos reduzir a pressa que a muitos assola no cotidiano não seria condicionada a uma vida mais delicada?" Nello Rangel, arte-terapeuta

 

E você, leitor, teria alguma sugestão de delicadeza para nosso dia a dia?

Outro dia a jornalista e escritora Heloisa Seixas publicou um texto no qual se lembrava de seus assustadores encontros, em sua juventude, com o Profeta Gentileza que, na época, de gentil tinha pouca coisa. Bem, ele pode ter mudado com o tempo e sua campanha o teria, então, como principal exemplo.

De qualquer forma gentileza e delicadeza são irmãs com muitas afinidades.

Refaço aqui a proposta: que tal um pouco mais de delicadeza em nossas vidas? Penso que em sua singeleza a delicadeza traga em germe voos mais altos. A capacidade de parar ou ao menos reduzir a pressa que a muitos assola no cotidiano não seria condicionada a uma vida mais delicada? Como aprofundar a consciência de nós mesmos (sempre assombrados que somos pela culpa e seu namorado, o excessivo rigor) sem uma consciência delicada? Não é possível ser verdadeiramente inteligente sem saber esperar que a realidade se manifeste por inteiro, se exiba por completo. Logo, não seria a delicadeza uma característica das pessoas verdadeiramente inteligentes?

 

"Corremos tanto e com tanta pressa, na permanente sensação de atraso que, no afã de acelerar em busca de um tempo que se sente perdido, esquecemos de perguntar, afinal, para onde vamos? " Nello Rangel

 

O cuidado é o principal fundamento do amor. E começa pelo cuidado por si próprio. Continua no cuidado com o outro e na consideração do outro como diverso, ou seja, na consideração da alteridade. A delicadeza seria talvez um facilitador do cuidado? Ou seria a condição para que o cuidado pudesse ocorrer?

Na correria dos dias, hoje ainda mais que ontem frente à permanente conexão de quase todos no mundo virtual, sentir-se perdido é comum. Corremos tanto e com tanta pressa, na permanente sensação de atraso que, no afã de acelerar em busca de um tempo que se sente perdido, esquecemos de perguntar, afinal, para onde vamos? E também: por que vamos? E ainda: faz sentido ir?

E, assustados, percebemos que, tal como o poeta Sá Carneiro, nos perdemos.

“Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida…”


Você quer sua vida de volta? Abrace a delicadeza. Cesse a corrida desesperada. Sinta os momentos em sua mão. E volte a viver. Vale a pena tentar?

 

Foto do Nello Rangel

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