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Quando a opinião deixa de ser publicável?
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É o(a) profissional cuja função é exclusivamente ouvir o leitor, ouvinte, internauta e o seguidor do Grupo de Comunicação O POVO, nas suas críticas, sugestões e comentários. Atualmente está no cargo o jornalista João Marcelo Sena, especialista em Política Internacional. Foi repórter de Esportes, de Cidades e editor de Capa do O POVO e de Política

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Quando a opinião deixa de ser publicável?

Ter as portas abertas para uma grande diversidade de opiniões não pode significar que as páginas impressas e digitais estão disponíveis para ataques a princípios democráticos básicos e a direitos humanos fundamentais
Tipo Opinião
Fortaleza, CE, BR 08.01.25 Obras da reforma do Farol do Mucuripe    (FCO FONTENELE/O POVO) (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Fortaleza, CE, BR 08.01.25 Obras da reforma do Farol do Mucuripe (FCO FONTENELE/O POVO)

Um artigo de opinião publicado na edição da última terça-feira, 28 de janeiro, despertou comentários críticos de leitores e foi o ponto de partida para um debate no comentário interno que faço diariamente junto à Redação. No texto intitulado “Constatações de um cearense”, o autor fala sobre experiências vividas por ele próprio em “recente viagem de férias ao velho continente” e as compara com o contexto brasileiro.

Em elogio à preservação de prédios históricos e museus na Europa, o autor faz um paralelo com o Ceará em tom crítico e chama as diferenças observadas por ele de “choque de realidade”. Em determinado trecho do artigo, ele cita que o Farol do Mucuripe está “esquecido pelo poder público e hoje serve para abrigar marginais”.

Ex-integrante do Conselho de Leitores do O POVO e responsável pelo museu comunitário Acervo Mucuripe, Diego di Paula entrou em contato com o ombudsman protestando contra o tom preconceituoso adotado no artigo e contra o O POVO por publicá-lo.

“O texto mostra a ignorância ou mau-caratismo de uma pessoa que tem um ‘título’ dentro de uma importante instituição nacional com sede em nosso estado e que tem acesso a informação. É fundamental que o mesmo reveja as considerações sobre a comunidade e que o jornal tivesse feito uma melhor revisão antes dessa publicação ter saído, para não contribuir com uma opinião pessoal fazendo-a tornar em senso comum, uma vez que a comunidade se articula para acabar com essa imagem negativa historicamente inserida por vários fatores, dizemos não ao racismo ambiental e que isso possa ser melhor avaliado em posteriores publicações.”

Na lista de discussão interna com a Redação, repórteres e editores seguiram a mesma linha, citando episódios anteriores semelhantes nas páginas de Opinião envolvendo outros artigos de outros autores e questionando quais seriam os critérios adotados para seleção e publicação dos textos.

Diretor de Opinião do O POVO, Guálter George reconheceu como “justa e compreensível” a manifestação do leitor, “inclusive quanto à crítica direcionada à decisão que tomamos de publicá-lo”.

No entanto, ponderou que o artigo “situa-se dentro das regras utilizadas no nosso processo diário de edição dos textos de Opinião”. “Sem juízo de valor acerca do que o autor manifesta como pensamento. De outra parte, o espaço segue disponível para quem quiser se contrapor ao conteúdo que ele expõe, em respeito ao critério básico que estabelecemos de manter as páginas abertas a todas as visões, incluindo aquelas com as quais não concordamos”, complementou.

A Diretoria de Opinião entrou em contato com Diego, oferecendo-lhe espaço para um contraponto. Este, por sua vez, afirmou não ter interesse em escrever um artigo sobre o tema.

Um debate antigo

O debate acerca dos critérios adotados para publicação de artigos de opinião não é inédito. Em outras ocasiões foram travadas discussões acaloradas dentro da Redação sobre onde deveria estar traçada essa linha que divide o que é publicável e o que não é.

Mesmo diante de muitos debates, ainda há uma zona cinzenta de subjetividade, o que até certa medida é algo natural. Mas essas discussões já deveriam ter evoluído para a elaboração de critérios mais claros e transparentes, para que os leitores, a Redação e todos e todas que desejarem escrever artigos de opinião tenham conhecimento de quais são os limites aceitáveis. Definidas e explicitadas essas linhas, o passo seguinte é respeitá-las.

Os espaços de opinião do O POVO se notabilizaram historicamente pela diversidade de pessoas que os ocupam. Há quase 100 anos, indivíduos das mais variadas origens, crenças e visões de mundo expõem seus posicionamentos de convergência e também de divergência. Cabe ao O POVO não somente abrir as portas para esta exposição de ideias, mas zelar pela manutenção de um debate respeitoso, intervindo quando são ultrapassados os limites traçados.

Ter as portas abertas para uma grande diversidade de opiniões não pode significar que as páginas impressas e digitais estão disponíveis para ataques a princípios democráticos básicos e a direitos humanos fundamentais. Não podem servir de guarida para a prática de microviolências contra grupos sociais específicos. Sobretudo quando se trata daqueles que são historicamente colocados à margem.

Idade nunca foi empecilho para nada

Matéria publicada no digital na última terça-feira, 28, e reproduzida no dia seguinte no Instagram do O POVO trazia o seguinte título: "Professor de Física é aprovado em Medicina aos 41 anos: 'Nunca deixei a idade ser um empecilho'".

Admito que paralelamente à alegria que surge ao ver alguém conquistando um objetivo difícil como ser aprovado em um curso concorrido como é o de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) veio também uma série de questionamentos. A matéria em si não tem nada de errado. Conta a história de como foi o processo dele até a aprovação.

Mas ter tão destacada assim a idade dele no título me fez pensar menos sobre o quão difícil deve ter sido alcançar seu feito. Eu sei que o mais comum é o ingresso de estudantes mais jovens no ensino superior, mas é tão mais extraordinário ou fora da curva assim alguém da idade dele ser aprovado a ponto do título puxar pela questão etária?

O propósito da matéria seguramente foi trazer uma boa mensagem, e provavelmente o fez para muita gente. Mas ela despertou - particularmente em mim e em meus 39 anos recém completados - uma sensação esquisita de que objetivos alcançados por pessoas com mais de 40 anos já se enquadram em algum tipo de excepcionalidade quando é algo que jornalisticamente não deveria ser encarado dessa forma.

Foram muitas as matérias já feitas pelo O POVO sobre a importância da democratização do acesso à educação por pessoas mais velhas. Outras tantas reportagens abordaram os impactos do envelhecimento da população. Inclusive uma publicada esta semana sobre aumento da expectativa de vida e como as cidades não estão preparadas no aspecto urbano para esta inevitável tendência da pirâmide etária.

Torço pelo sucesso do rapaz aprovado. Ele, assim como outras pessoas com 41 anos, ainda têm uma vida toda pela frente. Ele vai ter tempo para seguir estudando e realizar o sonho de se tornar um ótimo médico.

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