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A cobertura esportiva num calendário insano
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A cobertura esportiva num calendário insano

Se o desempenho dos atletas e a qualidade do esporte como evento e produto podem ser comprometidos pela overdose de jogos, é possível transpor essa discussão para a qualidade da cobertura jornalística?
Tipo Opinião
Fernando Sobral e Bruno Pacheco disputam lance no Clássico-Rei entre Fortaleza x Ceará, no Castelão, pelo Campeonato Cearense 2025 (Foto: Lucas Emanuel/FCF)
Foto: Lucas Emanuel/FCF Fernando Sobral e Bruno Pacheco disputam lance no Clássico-Rei entre Fortaleza x Ceará, no Castelão, pelo Campeonato Cearense 2025

Duas matérias publicadas na editoria de Esportes na edição da última sexta-feira, 14, chamaram a atenção por ilustrarem bem o cenário de um número cada vez maior de partidas para os clubes, em um calendário atribulado que gera efeitos também na cobertura esportiva. A primeira, com o título “Desacelerando o calendário”, falava sobre a folga que o Fortaleza terá na agenda de jogos após uma sequência de oito partidas num intervalo de 20 dias. Em linha semelhante, o segundo texto estampava como título “Tempo de respiro”, tendo como mote o descanso que o Ceará terá após realizar o mesmo número de jogos que o rival em um período pouca coisa maior: 25 dias.

O refresco dado aos dois maiores clubes do Estado se dá por mérito de ambos, que conseguiram classificação direta às semifinais do Campeonato Cearense após terminarem na liderança dos respectivos grupos do torneio. Comemorada por jogadores que podem ter uma melhor recuperação física e por técnicos que ganham mais tempo para ajustar as equipes, a folga celebrada na tabela de jogos é também reveladora da insanidade na qual o calendário do futebol se transformou.

Alguns números que servem para ilustrar a dimensão do tema. Em 2024, o Fortaleza realizou 73 partidas num intervalo de 323 dias, o que dá em média um jogo a cada 4,42 dias. Uma rotina inevitavelmente desgastante ainda mais se forem considerados os 115 mil quilômetros percorridos pelo clube em viagens ao longo da última temporada.

Esse é um ônus dos bons resultados que o clube apresentou nas competições nacionais e internacionais dos últimos anos. Matéria do O POVO publicada há um mês projetou que o Fortaleza pode, caso avance até o fim em todos os campeonatos de 2025, realizar até 83 jogos neste ano. No caso do Ceará, podem ser até 73 compromissos pelo Brasil, o que seria 15 a mais que a última temporada.

Esse debate em relação ao calendário do esporte bretão não é novo e tampouco está restrito ao futebol local. As principais ligas da Europa também discutem o calendário abarrotado de jogos. Como pano de fundo está a circulação cada vez maior de dinheiro da TV e dos patrocinadores (sobretudo as bets) que pressionam clubes e dirigentes por mais e mais partidas e competições. Num esporte cada vez mais competitivo e exigente sob o aspecto físico dos atletas, é perceptível a maior incidência de lesões de jogadores e os questionamentos quanto à qualidade do jogo em si.

Saturação do leitor/ouvinte

Voltando ao futebol local e chegando ao propósito desta coluna, se o desempenho dos atletas e a qualidade do esporte como evento e produto podem ser comprometidos pela overdose de jogos, é possível transpor essa discussão para a qualidade da cobertura jornalística? O que pode ser feito para que uma eventual saturação do torcedor não vire uma saturação do leitor/ouvinte?

Fiz algumas provocações aos editores-chefes de Esportes do O POVO, André Bloc e Lucas Mota, para que eles falassem um pouco sobre os desafios impostos à cobertura e aos repórteres pela maior frequência de jogos. Por exemplo, como isso dificulta a produção e o aprofundamento de outras pautas relacionadas ao futebol ou outros esportes.

“É uma faca de dois gumes, no sentido de que ao mesmo tempo em que (a rotina de muitos jogos) mantém a programação mais previsível — um luxo em jornalismo —, isso também engessa. E é esse o principal dilema do jornalismo esportivo, ainda mais o nosso, com um forte caráter local. Nosso leitor médio se interessa por Ceará e Fortaleza. A gente quer atrair outros leitores, daí tentamos ampliar um pouco nosso escopo, o que nem sempre chega a quem devia chegar, ao mesmo tempo em que desagrega o leitor comum", afirmam.

E seguem: "Na editoria, criamos uma regra de, pelo menos em uma das páginas (do jornal impresso), ficarmos independentes de Ceará e Fortaleza. O que significaria abarcar todos os outros times do Ceará (temos uma cobertura intensa do Ferroviário, por exemplo), do Brasil, do mundo, esportes olímpicos, categorias femininas ou de base, esporte paralímpico — tudo disputando 1/3 da totalidade do nosso espaço. Então, sim, os momentos de respiro são oportunidades boas para ampliarmos nosso escopo, bem como Olimpíada e como será agora no "Super Mundial", que para o calendário nacional”, explicam André e Lucas.

Ambos destacam ainda alguns conteúdos que têm como propósito justamente ampliar o leque de possibilidades na cobertura. “Temos também as colunas, de vários membros da equipe, que são diferentes pontos de leitura, com enfoques diversos, às vezes voltadas a nichos e que ampliam o nosso olhar. Para além disso, tentamos estar na vanguarda de tendências — daí a intensificação da cobertura sobre o João Fonseca (tenista brasileiro em ascensão), que vemos como um assunto constante pra próxima década inteira”, complementam.

De fato, as colunas às quais André e Lucas se referem são bons pontos de fuga das rotinas de Ceará e Fortaleza após os jogos e naquilo que os antecedem. Destaque para o próprio André Bloc (que fala sobre esporte e diversidade); Iara Costa (futebol feminino); Júlia Duarte (Fórmula 1); Mailson Furtado (escritor laureado com o Jabuti) e Marcelo Romano (esportes olímpicos).

O acompanhamento do dia a dia de Ceará e Fortaleza é um fator incontornável. São os dois maiores clubes que movimentam as paixões e os interesses de milhões de torcedores e leitores. A cobertura precisará sempre estar seguindo as dinâmicas do Vovô e do Leão, mesmo quando elas estiverem relacionadas a um calendário irracional.

O desafio, portanto, passa também por manter atenção redobrada para que o jornalismo esportivo esteja sempre encontrando maneiras de não entrar num piloto automático de um jogo atrás do outro.

Em paralelo a isso, mesmo que na contracorrente da maioria de leitores que queiram consumir conteúdos de Ceará e Fortaleza, o jornalismo esportivo não pode se olvidar de que tem um papel a cumprir. E faz parte dele dedicar energia, tempo e espaço multiplataforma como forma de estimular uma cultura esportiva mais ampla na sociedade.

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