Médica hematologista, escritora, cordelista e professora de medicina. Primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Literatura de Cordel, destaca-se por unir cultura popular e ciência, levando o cordel às universidades, às práticas integrativas em saúde e à divulgação científica. Milita por uma ciência mais humana e torna o cordel uma ferramenta de insurgência afetiva e epistemológica
Foto: AURÉLIO ALVES
Imagem ilustrativa de apoio. O sangue que se move
O sangue é o único órgão Que jamais fica parado, Circula sem pedir pausa, Vai e volta compassado. Traz memórias, leva vida, Faz da morte despedida E do tempo um aliado.
Jean Bernard, o grande hematologista francês — que também foi membro da Academia Francesa de Letras — dizia que “toda a medicina é amor”.
E quem, senão o sangue, seria o símbolo mais nítido desse amor em movimento? Nenhum outro órgão se move por si mesmo. O sangue não se acomoda: ele circula, atravessa o corpo e o tempo, leva oxigênio, devolve cor, traduz o invisível.
Na sua corrente, há sempre a lembrança de que viver é mover-se. Mas mover-se em direção a quê? Ou a quem?
Há o movimento que nos leva para dentro — o da escuta e do autocuidado. É quando o corpo avisa o que a mente calou: a fadiga, a dor, a falta de ar, o sono esquecido.
O sangue se torna espelho da alma, revelando o que as palavras escondem. Cuidar de si é reconhecer esse fluxo interno: saber parar quando o sangue pede repouso, saber agir quando ele clama por movimento.
Há também o movimento que nos leva para fora — o da solidariedade. A cada doação de sangue, uma parte de nós se desloca em direção ao outro.
É um gesto de partilha radical, uma ponte silenciosa entre desconhecidos. O doador nunca sabe quem recebe; o receptor nunca saberá de quem veio.
Mas ambos participam de um mesmo ciclo de vida — o mesmo que pulsa na veia da humanidade. E existe ainda o movimento para além: aquele que nos faz agir por uma causa, mover o conhecimento, transformar o mundo em lugar mais curativo.
É o movimento que dá sentido à medicina integrativa — essa medicina que não se contenta com fronteiras. Integrar é permitir que a ciência caminhe ao lado da arte, que o protocolo dialogue com a fé, que o saber acadêmico aprenda com o saber da terra.
Jean Bernard estudava leucemias e escrevia ensaios sobre ética, sofrimento e esperança. Ele via no sangue um espelho da humanidade: em cada célula, um mistério; em cada fluxo, um laço.
Para ele, o médico é alguém que habita o mesmo movimento do sangue — que não teme se misturar com o que é vivo, porque só assim compreende o que cura.
A saúde também é movimento. Quando paramos demais, o corpo adoece. Quando corremos demais, a alma se perde.
Entre o repouso e o impulso, há um ponto de equilíbrio — o ritmo exato da circulação. Talvez a sabedoria esteja em descobrir esse compasso, em mover-se com o próprio sangue: nem depressa, nem parado, apenas presente.
Que esta coluna siga o exemplo do sangue: movendo-se em direção à escuta, à solidariedade e ao sentido. Porque a medicina, afinal, é isso: o fluxo contínuo entre o eu e o outro, entre o que sofre e o que se cura, entre a vida que se doa e a vida que permanece.
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