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O sol que insiste em não se pôr
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Formada em medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC), residência médica em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP), Título de Especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria

O sol que insiste em não se pôr

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Retrato - Busto Dostoiévski (Foto: Constantin Shapiro/Dominio Publico)
Foto: Constantin Shapiro/Dominio Publico Retrato - Busto Dostoiévski

Em São Petersburgo, há alguns dias de verão em que o sol se recusa a desaparecer por completo. As noites não escurecem, permanecendo suspensas na claridade do crepúsculo. Noites Brancas foi minha última leitura de 2025. Uma novela de Dostoiévski sobre dois jovens que se encontram durante quatro dessas noites luminosas. Curiosamente, terminei o livro no dia 25 de dezembro, enquanto recebia mensagens de amigos queridos desejando feliz Natal e um ótimo Ano-Novo.

O protagonista se autodenomina um sonhador - alguém que passou a vida inteira sonhando acordado, encolhido em seu refúgio como um caracol na concha, solitário, distante da realidade concreta. Nástienka, a moça por quem se apaixona, vive presa: a avó cega mantém os vestidos das duas unidos apenas por um alfinete.

A atmosfera onírica das noites brancas torna-se o cenário perfeito para esse encontro improvável.
Nessas quatro noites, caminhando sobre as pontes da cidade, o sonhador experimenta algo nunca vivido. Um momento de intimidade, ainda que breve.

As pontes atravessam o rio, mas reduzem a distância entre dois solitários e ligam o imaginar ao viver. Sonho e realidade não são opostos irreconciliáveis. São duas faces da mesma moeda, e a vida acontece justamente no equilíbrio entre eles.

Pensei bastante sobre essa imagem: o sol que se recusa a se pôr. No sonhador, ela ganha forma: a tentativa de manter acesa uma luz capaz de dar conta da própria escuridão. Não precisamos viver o tempo todo sonhando, mas esses intervalos de luz são vitais.

"As noites brancas virão". É o consolo de quem vive na escuridão durante os meses de inverno em São Petersburgo. Elas duram apenas algumas semanas por ano. São um fenômeno efêmero, e é justamente essa brevidade que as torna preciosas.

Haverá dias frios. A escuridão virá certamente. Mas, por vezes, você será esse sol que insiste em não se pôr. Viva suas próprias noites brancas: luminosas, imprescindíveis. Ainda que seja por alguns instantes.

Fortaleza - Ceará

 

Foto do Patrícia de Sá Cavalcante

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