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Carnavais, malandros e otários
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Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

Carnavais, malandros e otários

Como o Carnaval de Fortaleza, num compasso diferente de todo o País, mantém a divisão social da Cidade
Tipo Opinião
Folões curtem o bloco Unidos da Cachorra, no Aterrinho da Praia de Iracema  (Foto: Deísa Garcez/Especial para O POVO)
Foto: Deísa Garcez/Especial para O POVO Folões curtem o bloco Unidos da Cachorra, no Aterrinho da Praia de Iracema

O Carnaval na sua forma de espetáculo de ritual e festivo ultrapassa as fronteiras das festas e dos ritos e entra em outros campos da interpretação da vida social como a antropologia, a sociologia e a arte. Mikhail Bakhtin, na década de 1960, foi o primeiro a relacionar o Carnaval com a arte literária, apresentando a teoria da literatura carnavalizada. Para ele, a carnavalização da literatura é a transposição do espírito carnavalesco para a arte, onde se constrói uma pluralidade intencional de estilos e vozes, mistura-se o sublime e o vulgar, intercala-se gêneros (cartas, manuscritos, paródias de gêneros elevados, etc.), provocando uma mescla de dialetos, jargões, vozes, estilos.

O antropólogo Roberto da Matta escreveu seu livro já clássico "Carnavais, Malandros e heróis", a partir da teoria de Bakhtin acrescentando: "Em outras palavras, carnavalizar é formar triângulos, é relacionar pessoas, categorias e ações sociais que normalmente estariam soterradas sob o peso da moralidade sustentada pelo estado".

O livro de Damatta, embora continue uma obra de referência, envelheceu mal na academia. Sua visão da falta de demarcação precisa entre espaço público e privado, que seria algo bem característico do Brasil, a "mistura" entre o privado e público, da casa e da rua, ou até mesmo uma certa invasão do privado pelo público, foi demolida como uma ideologia de nossa visão de vira-lata que o sociólogo Jessé de Souza chamou de "tolice da inteligência brasileira". A origem do argumento está na ideia de que a herança cultural do protestantismo individualista americano é um paradigma insuperável para constituição de uma sociedade rica, democrática e justa.

Jessé levantou a tese que o racismo do culturalismo presente na maioria dessas teorias é um falso rompimento com o racismo científico da cor da pele. "Quando se apela para o estoque cultural para explicar o comportamento diferencial dos indivíduos ou de sociedades inteiras, temos sempre um aspecto central dessa ideia que nunca é discutido. Em outras palavras, o culturalismo da teoria da modernização - e de nosso culturalismo tupiniquim também - é uma continuação com outros meios do racismo científico da cor da pele e não a sua superação". Ele identifica como o pai dessa visão do moralismo patrimonialista que nos transforma em vira-latas para o resto da vida, em Sérgio Buarque de Holanda, em seu "Raízes do Brasil".

Essa questão, de como as camadas dominantes constroem um modelo de legitimidade cultural que divide o mundo entre pessoas de maior e menor valor também aparece na nossa folia. O carnaval popular cearense hoje é invisível. Sim, temos o Pré-Carnaval de classe média. Ótimo, também gosto. Mas o carnaval popular foi localizado geograficamente na Domingos Olímpio (guetizado, geograficamente) enquanto o pré se espalha pela Cidade, e do ponto de vista de visibilidade (os artistas importantes ficam no aterrinho).

Quem quiser quebrar essa lógica, aqueles que não são conscientemente capturados pela eficácia que divide a Cidade entre vencedores socialmente e derrotados, pode ir até a Domingo Olímpio ver os maracatus, afoxés, escolas de samba.

Quem não quiser sair de casa de jeito nenhum, basta sintonizar na TV Terra do Sol, ou acompanhar pelo Youtube, a cobertura muito boa com Ricardo Guilherme, Hilário Ferreira e Isabel Andrade.

Ricardo Guilherme, nosso herói dramaturgo e pensador da cultura, dá um show de análise mostrando o que ninguém enxerga mais no Carnaval, como as pessoas se organizam e trabalham o ano inteiro no Carnaval realmente popular e o que elas preparam simbolicamente. Hilário Ferreira, militante do movimento negro, ogan, pesquisador da História e da Cultura dos negros no Ceará e notável figura humana fala com a autoridade de quem vive e estuda a cultura negra no Ceará. E Isabel Andrade, jornalista, entre a escrita de sua tese de doutorado sobre as relações etnico-raciais no Ceará, as demandas de Benjamin, Felipe e João e as carências do colunista, vai apresentar a legítima folia de Fortaleza.

Quer mais?

Faça uma carne de sol e beba uma cachaça de Viçosa para se animar.

 

O nome é ruim, mas a comida é boa

Faltava um boteco chic na Varjota. Faltava. Inaugurou semana passada o Sabor Nobre Espaço Gourmet (Rua 8 de setembro, 171), um fornecedor de peixes e mariscos que transformou seu salão em um pequeno bistrô. A comida é boa. Peixes, frutos do mar, e assados na brasa. O grande furo é: se tem peixes e mariscos fresquinhos porque não se faz na brasa também? Aprenda com os italianos e a culinária mediterrânea.

A grande surpresa positiva é: fecha à uma da madrugada. Quantas vezes a gente sai de um evento chato, uma solenidade tarde da noite e não tem onde comer nessa cidade depois das dez. Agora tem, e uma boa carta de vinhos e cerveja bem gelada. Tem mais. Fica na esquina. Você pode passar no meu prédio, obra de Fausto e Delberg, e dizer: aqui mora aquele professor de antropologia da UFC que entende de gastronomia.

Foto do Paulo Linhares

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