Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
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Na abertura de seu livro "O amor impiedoso-sobre a crença" Slavoj Zizek conta algumas histórias deliciosas de um pequeno livro de clichês de Hollywood, de Roger Ebert. Um dos clichês, bastante usado, por sinal, se chama "caixa de frutas".
Durante qualquer cena de perseguição envolvendo uma locação estrangeira ou ética, uma caixa de frutas será derrubada, e um vendedor ambulante irritado irá correr até o meio da rua para sacudir os punhos contra o carro do personagem que se vai.
Eu me senti derrubando umas caixas de frutas quando haters reagiram irritados diante da minha afirmação - no programa do Jocélio Leal - de que o campo cultural cearense é a periferia da semi periferia.
Lamento informar que o conceito de que o Brasil é um país culturalmente periférico, assim como a Argentina, é uma criação atribuída a uma grande mulher falecida em 17 de janeiro de 2024, a argentina Beatriz Sarlo, e ao brasileiro, ainda muito vivo, Roberto Schwarz.
Os pesquisadores, na verdade, ainda debatem se Beatriz o usou antes de Roberto Schwarz, o que acho uma genealogia que não tem muita importância. Os dois escreveram livros clássicos fundadores dos estudos de crítica da cultura com uma diferença de apenas dois anos. Beatriz escreveu "Borges: um escritor na periferia" e Schwarz, "Um mestre da periferia do capitalismo".
No conjunto dos livros de Schwarz, chama atenção que o crítico brasileiro se dedicou especialmente ao estudo do impacto das ideias modernas chegando ao que ele mesmo chama capitalismo periférico.
Em livros como "Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro" (1977), "Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis" (1990) e "Martinha versus Lucrécia" (2012), a obra machadiana é um eixo central a partir do qual Schwarz interpreta a chegada atravessada dessas ideias estrangeiras e a interpretação machadiana para elas.
Sarlo nos livros "Una modernidad periférica: Buenos Aires, 1920 y 1930" (1988), "Borges, un escritor en las orillas" (1993) e "Plan de operaciones: sobre Borges, Benjamin, Barthes y Sontag" (2013), ao discutir a literatura borgiana, problematiza essa questão da periferia.
O argumento de Roberto e Beatriz é o de que Machado de Assis e Jorge Luis Borges, cada um à sua maneira, ao seu tempo e em seu país, incorporam o impacto da relação de dominação entre os países centrais e periféricos formalizando esteticamente tanto a problemática nacional quanto às trocas do local com outras culturas e suas formas de assimilação/dominação.
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Por esse motivo, são escritores que a partir deste conceito-chave oferecem possibilidades para decifrar alguns dilemas sociais que marcam a vida nos seus respectivos países periféricos.
O que fiz na reflexão foi entender como a periferia cultural de um país periférico, no caso o Ceará, o que chamei de periferia da periferia cultural, sofre mais as agruras desta relação de dominação/conflito. Quem analisar os números da última pesquisa Itaú Cultural sobre a economia da cultura no Brasil vai ver que o Nordeste é incipiente na economia da cultura em relação ao Sudeste e Sul. E que o Brasil é quase nada em relação a Hollywood, por exemplo.
Numa interessante tese de doutorado da USP, a crítica de cultura na América Latina e o conceito de Periferia, Fábio Silvestre Cardoso afirma que o conceito de periferia vai muito além do debate econômico, e diz que é possível elaborar uma análise crítica das condições da periferia mundial e de igual modo, é também viável investigar as condições marginais de populações periféricas nos mais distantes países que estão longe dos espaços de prestígio. Schwarz, num ensaio, "o livro dos sete fôlegos", levanta hipóteses como saídas para o impasse:
"Uma é de que ela, que é também um ideal, perdeu o sentido, desqualificada pelo rumo da história. A nação não vai se formar, as suas partes vão se desligar umas das outras, o setor 'avançado' da sociedade brasileira já se integrou à dinâmica mais moderna da ordem internacional e deixará cair o resto. Enfim, à vista da nação que não vai se integrar, o próprio processo formativo terá sido uma miragem que a bem do realismo é melhor abandonar. Entre o que prometia e o que se cumpriu a distância é grande. Outra perspectiva possível: suponhamos que a economia deixou de empurrar em direção da integração nacional e da formação de um todo relativamente auto-regulado e auto-suficiente (aliás, ela está empurrando em direção oposta).
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Se a pressão for esta, a única instância que continua dizendo que isso aqui é um todo e que é preciso lhe dar um futuro é a unidade cultural que mal ou bem se formou historicamente, e que na literatura se completou. Nesta linha, a cultura formada, que alcançou uma certa organicidade, funciona como um antídoto para a tendência dissociadora da economia. Contudo vocês não deixem de notar o idealismo dessa posição defensiva. Toda pessoa com algum tino materialista sabe que a economia está no comando e que o âmbito cultural sobretudo acompanha. Entretanto, é preciso reconhecer que nossa unidade cultural mais ou menos realizada é um elemento de antibarbárie, na medida em que diz que aqui se formou um todo, e que esse todo existe e faz parte interior de todos nós que nos ocupamos do assunto, e também de muitos outros que não se ocupam dele.
Outra hipótese ainda: despregado de um projeto econômico nacional, que deixou de existir em sentido forte, o desejo de formação fica esvaziado e sem dinâmica própria. Entretanto, nem por isso ele deixa de existir, sendo um elemento que pode ser utilizado no mercado das diferenças culturais, e até do turismo. A formação nacional pode ter deixado de ser uma perspectiva de realização substantiva, centrada numa certa autonomia política- econômica, mas pode não ter deixado de existir como feição histórica e de ser talvez um trunfo comercial em toda linha, no âmbito da comercialização internacional da cultura. Enfim, ao desligar-se do processo de auto- realização social e econômica do país, que incluía tarefas de relevância máxima para a humanidade, tais como a superação histórica das desigualdades coloniais, a formação não deixa de ser mercadoria."
Enfim, pensar a crise da cultura no capitalismo não é tarefa para amadores, ainda mais com a violência das polêmicas. Sim, conheço o sofrimento que um campo cultural frágil pode provocar nos agentes do campo e atravessadores de discursos fáceis e o quanto a análise desta violência simbólica dos dominantes pode provocar tristeza nos dominados (como todos nós brazucas) quando pensamos numa sócio-análise.
É cada vez mais difícil debater tentando destituir os automatismos verbais e mentais. E para me manter vivo lembro dos versos de Walter Franco:
"Tudo é uma questão de manter. A mente quieta. A espinha reta.E o coração tranquilo."
ACEPIPES - ÀS VEZES INDIGESTOS
Estou assistindo e gostando da série argentina "Iosi, o espião arrependido" (Prime Video). José Alberto Pérez é um agente do setor de inteligência da Polícia Federal argentina durante a ditadura. Ele recebe a missão de se infiltrar na comunidade judaica para evitar uma suposta trama dos judeus para dominar a Patagônia e fazer ali uma Israel do Hemisfério Sul. Parece loucura, mas a série se baseia em fatos reais.
Iosi, o nome do maluco em hebraico, com informações mal apuradas provocou dois atentados contra a comunidade israelensee, em 1992, matou 29 pessoas e feriu 242. Dois anos depois, a Associação Mutual Israelita Argentina foi bombardeada deixando 85 mortos e cerca de 300 feridos.
Depois desta lambança ele se arrependeu e delatou tudo. Quem pensa que aqueles malucos de 8/1 estavam de brincadeira devem assistir a série argentina Iosi.
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