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A era da verdade personalizada
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Plínio Bortolotti integra do Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

A era da verdade personalizada

"Quando criamos uma versão sob solicitação, personalizada, que reflete nossa própria miopia intelectual, a verdade de uma pessoa torna-se tão ‘verdadeira’ quanto qualquer outra". (AK)

Ao escrever o artigo anterior, Pablo Marçal, o palhaço sinistro (26/9/2020), um personagem resultado da internet e das redes sociais, me lembrei do livro “O culto do amador”, de Andrew Keen, publicado em 2007. Na época, a internet era quase só mato, sem Twitter (2006), Instagram (2010) e Tik Tok (2016) — e com o YouTube (2005) e o WhatsApp (2009), ainda sem o brutal alcance de hoje. A grande sensação eram os blogs, Facebook e o inocente Orkut.

Em seu livro, Keen duvida da “sabedoria das massas”, que a internet, com sua incrível capacidade de mobilizar as pessoas, faria aflorar. Para ele, estava acontecendo o contrário: uma dinâmica destruidora dos antigos mediadores, como jornalistas, cientistas e professores, equiparando o conhecimento especializado ao senso comum. (Terra plana e a guerra contra as vacinas entram nessa conta.)

“À medida que a mídia convencional é substituída por uma imprensa personalizada, a internet torna-se um espelho de nós mesmos”, escreveu ele. “Quando criamos uma versão sob solicitação, personalizada, que reflete nossa própria miopia intelectual, a verdade de uma pessoa torna-se tão ‘verdadeira’ quanto qualquer outra”.

O autor faz menção à existência de 53 milhões de blogs no mundo (na época) exibindo com “despudor simiesco” as intimidades da vida privada — e “confundindo a opinião popular sobre todas as coisas, da política ao comércio, às artes e à cultura”. O “despudor” era coisa de criança frente ao que se vê agora com vertiginoso crescimento do número de usuários das redes sociais.

Escreve o autor: “Os blogs tornaram-se tão vertiginosamente infinitos que solaparam nosso senso do que é verdadeiro e do que é falso, do que é real e do que é imaginário (…) toda postagem é apenas uma versão da verdade de mais uma pessoa; toda ficção é apenas a versão dos fatos de mais uma pessoa”.

As redes sociais deram impulso gigantesco a essas pulsões, confirmando a antevisão de Keen sobre o caminho sem volta a que estamos nos atirando.

PS. Já havia abordado esse tema no artigo Internet: os macacos assumiram o comando (18/7/2020), do qual reproduzi alguns trechos.

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