Plínio Bortolotti integra do Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
"Proibição de livros nos EUA mostram censura velada e refletem eleição de Trump" (FSP). O Brasil também está sob risco de proibições
Em recente artigo, Dino e os livros censurados: qual o limite da liberdade de expressão?, critiquei a atitude do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), por ter mandado tirar de circulação três livros com conteúdo ofensivo a gays e mulheres. Ora, não é porque o ministro não gostou do que leu que ele tem o direito de impor a proibição, impedindo qualquer pessoa de ir às obras para formar sua opinião.
O conteúdo dos livros é reprovável, e as ideias ali expressas devem ser combatidas, mas a proibição dos livros, é incabível. Concluí dizendo que a censura era o pior remédio, “pois se conhece como começa e também como termina: em um festival de arbitrariedades”.
Por coincidência ou não — vivemos tempos estranhos — a Folha de S.Paulo publicou reportagem com o título “Proibição de livros nos EUA mostram censura velada e refletem eleição de Trump”, revelando que aumentam as restrições em bibliotecas a determinados livros.
Um deles, “O olho mais azul”, da escritora Toni Morrison, sofreu pelo menos 116 proibições em bibliotecas americanas, segundo relatório da PEN América, organização de defesa da liberdade de expressão na literatura. O livro de Morrison, prêmio Nobel de Literatura em 1993, trata do racismo nos EUA.
Segundo a PEN, houve 10.046 casos de banimento de livros, atingindo 4.321 títulos diferentes no ano letivo em curso. A organização analisou uma parte dos livros proibidos e verificou que 57% tinham conteúdos relacionados a sexo, 44% incluíam personagens não brancos e 39% personagens LGBTQI+.
Nesses casos, os livros podem continuar a ser vendidos em livrarias, mas são retirados das bibliotecas públicas ou de escolas. Pelo menos um livro brasileiro entrou nessa lista: “A pedagogia do oprimido”, de Paulo Freire. Proibidos em bibliotecas públicas escolares, há dificuldade de acesso a essas obras, principalmente a jovens de baixa renda, segundo relata o texto da Folha.
Nesse festival de arbitrariedades, William Shakespeare foi retirado das prateleiras na Flórida, o mesmo acontecendo com o dicionário Merriam-Webster (por conteúdo sexual). Segundo a BBC Brasil, até a Bíblia foi proibida em uma escola de Utah, por conter “vulgaridade e violência”. O governo republicano de Utah aprovou uma lei em 2022 que proíbe livros “pornográficos ou indecentes” nas escolas. E adivinha quais são as obras mais banidas? Aquelas com temas como orientação sexual e identidade de gênero.
Segundo a Associação Americana de Bibliotecas, o número de títulos que foram alvo de censura em bibliotecas públicas no ano passado cresceu 92% em relação ao ano anterior. O problema maior é que a censura não se limita às bibliotecas escolares e públicas.
Em 2021, durante os protestos “Vidas negras importam”, logo após a morte de George Floyd por um policial branco, a Flórida aprovou uma lei antiprotestos, à qual se seguiram legislações que foram aumentando o cerco da censura aos livros.
“Essas leis são amplas e vagas. A intenção é confundir e fazer com que você não entenda o que é proibido exatamente”, disse à Folha Katie Blankenship, advogada e diretora do escritório da PEN América na Flórida. “Se você não entende exatamente o que é proibido, e a consequência de violar a lei é perder seu registro profissional, sua carreira, podendo até ser ameaçado com processos criminais, o que uma pessoa normal faria? Ela vai se censurar.”
A esquerda brasileira, ou pelo menos um segmento dela, desenvolveu uma tolerância muito grande com a censura, sob o argumento de proteger as minorias do discurso do ódio. Mas a urgência em combater as injustiças não pode ser justificativa para a censura do divergente, mesmo que seus argumentos sejam condenáveis. Não existe uma censura “boa” e outra “má”. Existe censura (os limites dela expressei no artigo citado).
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