Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha
Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha
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A semana começou quente numa área que, a preço de hoje, está mais próxima das celebridades, do que da crítica propriamente dita: a literatura. O começo de tudo foi o texto assinado pela professora da UFMG, Lígia G. Diniz para a mais recente edição da revista de livros “Quatro, cinco, um”, que tem na capa o escritor Itamar Vieira Jr., autor de “Torto Arado”, obra que já vendeu, no Brasil, 700 mil cópias e o tornou o escritor de literatura brasileira mais lido no País atualmente.
Vieira Jr. está lançando “Salvar o fogo”, e Lígia G. Diniz apontou na resenha que escreveu para revista que o livro apela para o “maniqueísmo entre as relações sociais e raciais”, "é didático" além da conta, sem dar chance para os leitores, “repete fórmulas” e “analogias cansativas”, “é previsível”, “pouco criativo”. Num dos momentos mais contundentes do texto, Lígia Diniz afirma que “Vieira Jr. “parece se esquecer de que a literatura é feita de linguagem escrita, e que a tarefa árdua é transformar a vida em palavras”.
No fim de semana, numa entrevista ao UOL, Vieira Júnior desancou a crítica acadêmica, afirmando que prefere o encontro com os leitores a “escrever para a USP”. Afirmou também que “a crítica está sempre em busca de Proust e à espera de Beckett. Quando eles descobrem que não há nem Proust nem Beckett, a coisa azeda”.
Na coluna que escreveu para a "Folha de S. Paulo", no último sábado, Vieira Júnior foi mais explícito: “O editor branco escolhe a crítica branca para resenhar um romance atravessado pela raça e pelo colorismo. Eles precisam nos lembrar que na literatura brasileira não há espaço para nós, então o pacto é deixar a avaliação entre eles”. Mais adiante, ele afirma que “Vini Jr. me lembrou que precisamos erguer nossa cabeça, por tê-la curvada nunca nos ajudou em nada”. A professora Lígia Diniz rebateu no Twitter: “Quer me convencer de que indicar falhas de um romance está no mesmo espectro dos ataques contra Vini Jr.? Só posso lamentar a morte do debate público e da ficção”.
A crítica literária foi sumindo, aos poucos, do jornalismo brasileiro. Crítica trazida para o jornalismo com método acadêmico pelo professor Antônio Cândido, da USP, e Décio de Almeida Prado, ao criar em abril de 1956, o "Suplemento Literário", encartado aos sábados, no jornal Estado de S. Paulo. Em pouco tempo, o "Suplemento" se transformou numa espécie de modelo de crítica das artes para o jornalismo. Sem contar que muitos críticos brasileiros de hoje lançaram seus primeiros escritos no "Suplemento", como Leila Perrone-Moisés, que escreveu sobre um desconhecido Roland Barthes, pela primeira vez, nos anos de 1970.
Para vocês terem uma ideia, não havia jornal no Brasil que não tivesse um caderno ou páginas destinados à literatura. Jornais inteiros e revistas também davam conta do tema. A partir de meados dos anos 2000, esses espaços foram encolhendo e sendo substituídos por booktubers, blogs, redes sociais, book tokers, e virou coisa de nicho.
Talvez por isso, uma geração de escritores e de leitores simplesmente desconheçam o exercício da crítica. Só nos restou a prática corriqueira que vai de um extremo ao outro: ou é muito oba-oba ou é cancelamento. Isso não combina com literatura.
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