Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha
Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha
Estou às voltas com o livro “Escrever é muito perigoso”, da escritora polonesa Olga Tokarczuk. Uma obra para ler devagar, começando por qualquer ensaio ou palestra. Agora mesmo, estou lendo ‘A Psicologia do narrador´, um ensaio no qual a autora disseca o modo como ela pensa seus personagens, realiza pesquisas imensas sobre o tema que quer trabalhar, vasculha na memória suas próprias vivências e se surpreende quando as pessoas ficcionais surgem durante a escrita dos seus livros como se tivessem vida própria.
Psicóloga de formação, a escritora demonstra levar muito a sério a construção da voz do narrador, ao mesmo tempo solitária ou em conluio com o autor. Ainda não terminei o texto. Estou lendo o mais devagar que posso porque trata-se de uma leitura tão prazerosa que dá até preguiça de concluir.
Estava justamente na parte em que ela conta como descobriu, num sebo, cadernos antigos que terminaram por gestar um dos seus romances, que fiquei sabendo da tragédia do chaveiro Wanderley Luiz, em Brasília. Rapidamente, passei a buscar informações que pudessem me fazer entender quem era aquela criatura com um histórico aparentemente tão inofensivo que havia se transformado num homem-bomba. Um terrorista.
Ontem mesmo, vi as últimas imagens do homem vestido com uma espécie de figurino. Era quarta-feira, chovia em Brasília. Ele estacionou o carro nas proximidades da Praça dos Três Poderes. Atravessou a rua, rodopiou o guarda-chuva. O vento entrou na brincadeira, salpicando-lhe água no paletó.
Na saída de casa, disse à vizinha: “No futuro, uma nota de U$ 1 assinada por mim terá valor”. Ela deve ter dito: “Seu França, o senhor está estiloso com essa roupa”. Ele não ouviu. Tinha pressa. Fazia meses que era atormentado pela ideia de que encenaria algo grandioso. Havia se preparado para o papel com afinco.
Largou tudo e mergulhou no personagem-narrador. Fabricou as próprias bombas. No fim, deitou-se no chão para o último ato.
O pano não desceu. Wanderley ficou estirado na praça por 13 horas. Uma foto tocante mostrava o personagem sob a chuva, os pés abandonados. Enquanto isso, o país tenta esclarecer como se construiu a sólida fábrica de Tiu(s) França(s) Brasil afora.
O personagem criado pelo pacato chaveiro catarinense é trágico demais, mas o roteiro com intolerância máxima, cegueira extrema causada pelo consumo indiscriminado de desinformação, o desalento interno que corroeu Tiu França está em pleno vigor no Brasil.
As últimas informações sobre a operação “Punhal verde e amarelo”, criado nas vísceras do governo de Jair Bolsonaro, deixam claro o quão doente ainda estamos como País. Durante algum tempo, subestimei essas pessoas, considerando-as apenas uns desatentos com a realidade, e que iriam, ao fim e ao cabo, voltar ao real.
O punhal não vingou, as bombas de Tiu França também não. Mas é inegável que histórias secretas ainda estão sendo gestadas em personagens no limite da sanidade mental. Gente, cuja insignificância se transforma em arma, em desejo de morte, em fôlego destruidor.
Tiu França está longe de ser um caso isolado. Ele é um legítimo ponto que conecta o País ao centro do seu adoecimento político, explorado pela extrema direita como projeto de poder.
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