
Renato Abê é jornalista, escritor e especialista em jornalismo cultural com pós-graduação em artes cênicas
Renato Abê é jornalista, escritor e especialista em jornalismo cultural com pós-graduação em artes cênicas
A cena embaraçosa correu o mundo: o homem se posiciona próximo à obra de arte enquanto a mulher se prepara para o clique. O turista, porém, se encosta demais no objeto e desaba sobre a cadeira feita de cristais Swarovski. "O pesadelo de qualquer museu", definiu, em postagem no Instagram, o museu Palazzo Maffei, em Verona, na Itália, onde a vergonhosa situação se desenrolou.
A escultura de Nicola Bolla, adquirida pelo centro cultural em 2022, é inspirada na cadeira de palha, uma das pinturas clássicas de Vincent van Gogh (1853-1890). Após o incidente, a obra foi danificada e precisou passar por restauração. Os visitantes, após a triste cena, deixaram o espaço correndo, mas a fuga não adiantou: o vídeo foi publicado e eles foram denunciados à polícia italiana pelo próprio museu.
Nem 15 dias se passaram e, nesta semana, mais um caso ganhou repercussão. Um turista que tentava fazer um meme tropeçou e rasgou um quadro de 300 anos em um museu de Florença, também na Itália. O retrato do príncipe Ferdinando de Medici, pintado por Anton Domenico Gabbiani em 1712, foi avariado e agora a exposição na galeria Uffizi está fechada para o público.
Os dois casos ilustram bem um fato: nossa fruição em espaços de arte está cada vez mais mediada pela necessidade de um desdobramento virtual. Claro, algumas experiências são irresistíveis e pedem um registro. Ainda mais quando se trata de uma viagem, quando tudo parece render para o feed, story, reels. Mas será mesmo que precisamos gerar um grande volume de conteúdo numa experiência museal?
Longe de mim impor regras, mas tentar traduzir em post a experiência cara a cara com a arte acaba nivelando aquele contato por baixo. O “black mirror” não revela a imersão artística pensada com toda a atenção por profissionais desses espaços culturais. Claro que os equipamentos também se valem de dispositivos instagramáveis (e outras ações importantes de divulgação), mas nem tudo precisa ser por like.
Diante da expansão da “IA recreativa” (alô, Marisa Maiô!) nas nossas telas, temos lidado diretamente com fotos, vídeos e áudios gerados artificialmente e a tendência é que se amplie ainda mais essa fronteira borrada entre o “real” e o postiço. Na contramão dessa enxurrada repetitiva por que não aproveitar a experiência museal como um mergulho no offline?
A verdade é que a dopamina do uso dos eletrônicos faz a gente acreditar ser imprescindível os cliques no museu, os vídeos (com som estourado) dos shows, a foto conceito do desfile de moda e todas as outras tentativas de registro corriqueiro da arte. Mas, quase sempre, não há uma plateia ávida por esse conteúdo (a não ser que seja um perfil focado neste segmento) e acabamos por prejudicar um momento de imersão artística em troca de só mais uma postagem.
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