Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
As eleições deste ano escancaram a onipresença das organizações criminosas no Brasil. A ação do Crime interferiu frontalmente na dinâmica eleitoral, desvelando o poder e a capilaridade de tais grupos. Essa percepção pode ser constatada em dois relatórios. O Índice Global de Crime Organizado (Ocindex) mostra que 83% da população mundial vive em países com altos níveis de criminalidade. Isso representa um aumento de 4% em relação a 2021.
Conforme o relatório, os crimes financeiros são a forma de atividade criminosa mais difundida e predominante no mundo, à frente dos mercados baseados em tráfico humano e do crescimento dos mercados de cocaína e drogas sintéticas. A corrupção, especialmente no setor público, continua a ser um facilitador do crime organizado. Os atores criminosos continuam a permear todas as esferas do aparato estatal, o que dificulta a resposta dos governos à ameaça do crime organizado.
No capítulo referente ao Brasil, o relatório descreve o nosso sistema de justiça criminal brasileiro como "ineficiente, corrupto e tendencioso contra negros e pobres, devido a preconceitos de classe e raciais entre profissionais do direito". Além disso, o sistema penitenciário também é objeto de crítica como um espaço de formação de mão de obra para o crime. "As prisões sofrem de problemas estruturais, como superlotação e más condições, que contribuíram para o desenvolvimento de redes criminosas", diz o documento.
A fim de fornecer um diagnóstico sobre tais grupos, a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) lançou o Mapa das Organizações Criminosas 2024, com dados que podem contribuir para o planejamento das ações de segurança pública e a identificação de pontos críticos, de tendências, de lideranças e do surgimento desses grupos.
Estima-se que, no Brasil, haja 72 organizações criminosas atuantes e quase todas elas estão presentes de alguma forma no Sistema Prisional. A criação de uma doutrina nacional de inteligência penitenciária permitiu aprimorar as atividades das agências de inteligências penitenciárias em todo o País, formando a Rede Nacional de Inteligência Penitenciária (Renipen). É a partir dela que os dados do mapeamento são obtidos.
Quatro organizações criminosas foram identificadas no Ceará: Comando Vermelho (CV), Guardiões do Estado (GDE), Primeiro Comando da Capital (PCC) e Tudo Neutro/Massa. Enquanto o CV e o PCC são enquadrados como organizações de porte nacional, a GDE é classificada como uma facção regional, ou seja, está em maior expansão e colabora mais com o crescimento dos índices de violência.
Os grupos criminosos de alcance regional possuem necessidade de rápida expansão no sistema prisional, são territoriais e monopolistas, atuam em mais de um Estado, possuem denominação amplamente conhecida e grande número de membros.
De acordo com o mapa, a maior parte das organizações criminosas surgiram como grupos pequenos dentro do sistema prisional e se expandiram para os territórios das cidades. Após o processo de afirmação, por meio do tráfico de drogas e homicídios, nos bairros em que se instalaram, elas passam para uma fase posterior, em que o nome da organização passa a ser conhecido na cidade e no estado, gerando uma resposta das forças de segurança.
Uma expressão da Física é usada como fator de explicação para o surgimento de tais grupos. As partículas (os presos) se organizam de forma espontânea em um contexto propício como o sistema prisional, com seus numerosos problemas: superlotação, condições precárias de alojamento e de alimentação. As redes criminais nasceriam, portanto, "como uma auto-organização emergente entre as diversas partículas criminais".
"Um ambiente prisional superlotado, sem controle dos procedimentos, com forte presença de celulares, ou seja, um ambiente em desordem em que o Estado não controla as ações, propicia espontaneamente o surgimento dessas organizações iniciais dentro do sistema penal", afirma o relatório.
O primeiro passo dos grupos em estágio inicial é garantir a segurança de seus membros sob o pretexto de combater alguma injustiça estatal. Depois, tem-se as fases de expansão, busca de novos integrantes e consolidação de suas áreas de domínio. É quando as organizações passam a se estruturar hierarquicamente, estabelecem seu estatuto e adotam meios sofisticados de lavagem de dinheiro.
Como se pode perceber, o crime presente nas ruas possui relação direta com as prisões. O longo processo de constituição de tais redes criminais só demonstra a incapacidade do Estado de prover uma resposta adequada. Quando isso acontece, a população se torna refém de um confronto entre dois poderes cujas fronteiras são porosas. Ao mesmo tempo em que proíbe candidatos de adentrar em determinados territórios, o Crime financia campanhas de políticos que lhe são favoráveis. A disputa saiu, definitivamente, das ruas para as urnas.
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