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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Em suas falas públicas mais recentes, o governador Elmano de Freitas (PT) não disfarçou seu descontentamento com os resultados obtidos na área da segurança pública. Embora o Governo do Estado tenha mudado o comando da pasta, com um forte investimento incluso, a redução do número de homicídios não ocorre na velocidade necessária.
"Temos um balanço muito positivo até aqui, com desafios ainda muito importantes. Um deles é o da segurança pública, que eu ainda estou muito insatisfeito com os resultados que nós alcançamos. Nós permitimos que não aumentasse a violência, mas a redução é muito pequena, então exige de nós muito mais trabalho, para poder entregar a paz e a segurança que o nosso povo reclama", afirmou.
Para 2025, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) aposta em um sistema de metas visando à redução dos índices de criminalidade no Ceará. Medida semelhante foi adotada em 2013 ainda na gestão do ex-secretário Servilho Paiva.
O programa se chamava "Em Defesa de Vida" e dividiu o Estado em 18 Áreas Integradas de Segurança (AIS), cujos gestores tinham como objetivo o cumprimento de metas de redução de violência. O porquê dessa proposta ter se perdido ao longo do tempo tem muito a ver com as mudanças na política de segurança pública que ocorrem quando se troca um governo por outro.
Pois bem, um projeto-piloto, baseado na mesma metodologia de gestão de resultado, foi implementado recentemente. Em entrevista ao O POVO, durante a posse do novo comandante-geral da PM, o secretário Roberto Sá explicou o que se pretende com essa medida: "Nós termos uma metodologia, um sistema em que a gente possa monitorar cada município, cada bairro, cada logradouro, cada rua para verificar onde o crime está acontecendo, como podemos melhorar a prevenção e, caso a prevenção não seja suficiente, como reprimir, imediatamente, de forma qualificada".
Na mesma ocasião, Elmano de Freitas destacou a necessidade de haver uma "decisão política para enfrentar o crime". A queixa do governador se soma à de vários chefes do Executivo que cobram maior participação do Governo Federal no combate às organizações criminosas.
A resposta está vindo sob a forma de diversas medidas, como a proposição da PEC da Segurança Pública e a implementação de um plano que visa à retomada de áreas dominadas por milícias e pelo tráfico. A grande questão é se todo esse esforço será suficiente para erradicar um mal que está instalado na sociedade brasileira há pelo menos 45 anos — data de fundação do Comando Vermelho, no Rio de Janeiro — e cuja capilaridade se estende por todo o Brasil.
Em janeiro de 2026, os Guardiões do Estado (GDE) completarão 10 anos de existência, ou seja, já convivemos com essa realidade desafiadora há quase uma década.
A complexidade do problema reside em um conceito denominado "governança criminal", termo cunhado por Benjamin Lessing, professor de Ciência Política da Universidade de Chicago (EUA). O conceito pode ser definido como "a imposição de regras ou restrições ao comportamento por parte de uma organização criminosa, incluindo governança sobre membros, atores criminosos não-membros e civis não-criminosos".
A ideia de uma governança criminal é bastante útil para pensar a atuação das facções por dois motivos: a) vincula suas causas e consequências ao Estado; e b) mesmo quando o poder público se apresenta de forma fraca e insuficiente, há presença estatal suficiente para agir como um controle útil sobre a autoridade criminal.
O conflito entre policiais e faccionados que ocorre no Grande Pirambu é um exemplo bem-acabado dessa relação sem bordas entre os poderes legal e ilegal.
Não se trata, contudo, de retomar a ideia de um "estado paralelo". Conforme o autor, os grupos criminosos, em geral, não buscam o controle territorial absoluto nem derrubar o Estado, ao contrário de grupos rebeldes que buscam áreas de controle exclusivo.
A governança criminal, portanto, é enraizada em uma esfera maior de governança estatal, constituindo-se como um "duopólio de violência" em que os civis navegam entre figuras de autoridade estatais e criminais.
Benjamin Lessing utiliza a expressão "simbiose" para dar conta dessa interação: "A simbiose assim definida abrange ações e políticas estatais que inadvertidamente fortalecem as organizações criminosas e alimentam a governança criminal em particular. A repressão estatal gera diretamente alguns dos incentivos para a governança criminal. Além disso, medidas anti-crime e de encarceramento em massa podem fornecer recursos para a governança dos grupos criminosos. Isso inclui oportunidades de recrutamento e networking, incentivos para a ação coletiva e, até mesmo, poder coercitivo sobre os governados".
O que diferencia o remédio do veneno é a dosagem. Processos como as "pacificações" promovidas por tais organizações contribuem para a redução de indicadores criminais, como homicídios, beneficiando indiretamente os governos. Mas, e se a própria forma como o Estado atua contra a criminalidade for um fator de estímulo para o problema que ele pretende solucionar? Voltaremos a esse assunto.
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