Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
É sabido que a polícia brasileira é uma das mais violentas do mundo. A letalidade policial bate recordes, ano após ano. No entanto, a violência provocada pelo policial contra si mesmo ainda é um assunto tabu e pouco debatido na corporação.
É preciso que o tema do suicídio seja abordado de forma franca para evitar que o sofrimento mental de homens e mulheres mantenha-se de forma indiscriminada.
Doze policiais militares foram vítimas de suicídio em 2024, nove da ativa e três da reserva. De acordo com o levantamento, o maior número de mortes decorrentes da doença foi registrado no mês de outubro, quando três agentes perderam suas vidas. As informações são do Blog Escrivaninha.
De acordo com o Anuário Brasileiro da Segurança Pública 2024, o que mais matou policiais militares em 2023 foi o auto-extermínio. Os PMs morreram mais por suicídio do que por confronto na folga e por confronto em serviço.
Segundo o levantamento do Fórum Brasileiro da Segurança Pública (FBSP), o ano de 2023 registrou, em relação ao ano anterior, queda de 18,1% na taxa de policiais civis e militares vítimas de Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs) no Brasil, enquanto a taxa de suicídios de policiais civis e militares da ativa cresceu 26,2% no mesmo período no país.
Levando em consideração apenas a Polícia Militar, o total nacional de suicídios nas corporações suplantou, em 2023, a soma dos registros de PMs mortos em confrontos dentro e fora de serviço.
Foram 110 registros de auto-extermínio, diante de 46 casos de agentes mortos em confronto em serviço e 61 mortos em conflito ou por lesão não natural fora de serviço - 107 óbitos ao todo.
Um estudo publicado pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção (GEPeSP), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), revela que o risco relativo das mortes por suicídio de PMs (homens e mulheres) em comparação ao da população geral é quase 4 vezes superior ao da população geral.
Esse número pode ser ainda maior, segundo a pesquisa: "Muitos dos casos de suicídios consumados e tentativas de suicídio não são informados ao setor responsável por inúmeras razões. Entre elas, estão as questões socioculturais - o tabu em torno do fenômeno; a proteção ao familiar da vítima (a preservação do direito ao seguro de vida) e a existência de preconceito ao policial militar diagnosticado com problemas emocionais e psiquiátricos".
"A escala atual é 12h por 48h, um dia inteiro e uma noite inteira de serviço. Dentro daquela farda não são robôs, são seres humanos que absorvem os problemas da sociedade como qualquer outro e não conseguem se desvencilhar desses problemas do dia a dia devido a uma escala que puxa, tanto físico quanto mentalmente", relata um policial que pede para não ser identificado.
O diretor de Relações Públicas da conforme dados da Associação dos Profissionais da Segurança (APS), De Castro, afirma que os suicídios se devem, principalmente, à ausência de uma boa qualidade de vida e à escala de trabalho dos policiais.
"Acredito que, com o devido descanso, com o devido acompanhamento, com políticas públicas que pudessem apoiar os profissionais, esses policiais teriam mais oportunidades e o desespero não ia tomar de conta", compartilha.
De Castro reforça que o auto extermínio é um problema de saúde pública e pede que o comando das instituições também esteja atento à pauta, desenvolvendo ações para auxiliar na redução do quantitativo de casos de suicídios.
Nesse quesito, urge ampliar o atendimento psicossocial dos PMs a fim de eliminar os estigmas sobre saúde mental entre os militares. O ideal seria que todos pudessem ter acompanhamento profissional, em especial os que atuam nas áreas mais violentas da cidade.
Há uma questão de fundo, no entanto. É preciso salientar ainda que a lógica que move a polícia militar se baseia na ideia de combate ao inimigo.
Dessa forma, o policial surge como um combatente de pessoas que muitas vezes são de sua mesma classe social e convivem nos mesmos locais, distinguindo-se apenas por estarem do outro lado da lei.
Sustentar uma política de segurança pública baseada fortemente na contenção traz diversos desgastes aos seus operadores. As consequências mais graves se abatem sobre quem está na ponta. Essa noção precisa ser mudada.
A polícia tem de se apresentar à população como um agente garantidor de direitos e não apenas como uma força repressiva.
A necessidade de sempre estar em guerra, pronto para a ação, muitas vezes violenta, também é um fator gerador de estresse no cotidiano do policial. Podemos afirmar que, quando o policial está doente, a própria concepção de policiamento está enferma.
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