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Mães reais almejam maternidades não reais
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Sara Oliveira é repórter especial de Cidades do jornal O Povo há 10 anos, com mais de 15 anos de experiência na editoria de Cotidiano/Cidades nos cargos de repórter e editora. Pós-graduada em assessoria de comunicação, estudante de Pedagogia e interessadíssima em temas relacionados a políticas públicas. Uma mulher de 40 anos que teve a experiência de viver em Londres por dois anos, se tornou mãe do Léo (8) e do Cadu (5), e segue apaixonada por praia e pelas descobertas da vida materna e feminina em meio à tanta desigualdade.

Sara Oliveira comportamento

Mães reais almejam maternidades não reais

A maternidade é embalada no enredo da perfeição, tão mentirosa, porém, ainda tão almejada. Hoje, nem as maternidades reais traduzem de verdade a realidade.
Tipo Opinião
Viih Tube e Eliezer comemoraram 1º mês de vida da filha; festa de mêsversário de Lua foi temática (Foto: Reprodução/Instagram)
Foto: Reprodução/Instagram Viih Tube e Eliezer comemoraram 1º mês de vida da filha; festa de mêsversário de Lua foi temática

Quando a gente se torna mãe, um mundo de possibilidades boas e ruins se torna realidade junto ao bebê cheirosinho mais importante que tudo. A demanda é por tudo perfeito, pois ali surge um herdeiro, uma história, novos passos, outras escolhas. A maternidade é embalada no enredo da perfeição, tão mentirosa, porém, ainda tão almejada. Hoje, nem as maternidades reais traduzem de verdade a realidade.

Nas últimas semanas, assisti no meio do expediente, a Ana Maria Braga anunciando a segunda gravidez da influencer Viih Tube, ao lado do marido, o pai Eliezer. Ambos participaram do Big Brother Brasil 22 e, hoje, são um dos casais de maior influência nas redes sociais, principalmente no nicho “maternidade da vida real”.

Aniversários meteóricos, com passeio de carrinho entre as atrações temáticas, brigas divertidas sobre quem vai trocar o bebê, um pai e uma mãe que são essencialmente funcionários da função “pai e mãe” da instituição “tem de ser assim”. E não que eles não possam viver tudo isso, o que me encasqueta é o por que queremos comprar tudo isso. O título “vida real” não deveria ser comprado assim tão facilmente, principalmente pelas mães.

Quando meu segundo filho nasceu, a receita de uma vitamina de mamão, banana e maçã me chamou atenção em um perfil de Instagram. Uma mãe de três filhos - que teve o quarto depois -, que morava em uma casa distante, na mata, acordando com os passarinhos e plantando horta, era a protagonista da receita. Cheguei pela vitamina - eu queria desmamar a criança de 1,9 ano no meio da pandemia de Covid -19 - e acabei ficando no perfil pela vida que eu queria ter.

A mistura de frutas, feita com leite de castanha, deu certo no processo, depois de eu desistir de tudo porque havia dado o mingau quente demais uma vez. Mas enfim, eu continuei a segui-la, consumia indicações sobre a importância de manter-se serena consigo mesma, de estimular o contato com a natureza, a alimentação saudável e a livre vivência. Tudo que eu, uma mãe repórter de Cidades ligada no 220 wolts, queria conseguir viver minimamente.

Mas, principalmente, o pouco uso de telas. Brinquedos de madeira rodeavam as crianças, que brincavam, enquanto a mãe explicava os benefícios daquela atividade. Tudo filmado. Sem interrupções de latido de cachorro, barulho de carro, campanhia, televisão. Ah, o marido, dedicado a uma vida também familiar, brincava com as crianças após o jantar em frente à lareira.

Mas sem julgamentos, volto ao que me chamou atenção: como eu estava vendo/acreditando/dando audiência e seguindo uma pessoa que falava sobre os benefícios das atividades infantis sem telas enquanto ela mesma segurava uma, quase por 24 horas? Lembrei imediatamente de quantas vezes meus meninos, bebês, puxavam meu celular enquanto eu mandava mensagem entre as mamadas. Meu Deus, a culpa por possíveis intoxicações cibernéticas!

Quando eu achei que aquela era uma maternidade real? Quando a quis? Quando se tornou influência para mim? Eu então a deixei de seguir e não sigo nem a Viih Tube, que tem 33 milhões de seguidores. 

 

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