Mães são forças da natureza porque acessam, por vezes de maneira imposta, a habilidade do cuidado. Toda mulher, independente de ter filhos, é ensinada a maternar: os irmãos, os primos, os pais, os doentes e/ou os maridos. É dizer que homens também podem aprender e descobrir em si o zelo pela família.
Para a socióloga Lídia Valesca Pimentel, a lógica neoliberalista se opõe à essência da maternidade, implicando no sofrimento das mulheres-mães e na decisão de muitas a não terem filhos. Para ela, maternar é expandir-se e reconhecer-se em comunidade, conceito rechaçado pelo individualismo.
Cientista social e pesquisadora
É mestre e doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialista em Escrita Literária. Ativista de direitos humanos, é coordenadora da Casa da Sopa, associação de assistência social e defesa de direitos da população em situação de rua. Tem
52 anos, é mãe da Hannah, do Mateo e avó do André.
O POVO+ - Quando a senhora virou mãe?
Lídia Valesca Pimentel - Eu sou de 1971 e gosto de dizer isso porque eu acho que a gente tem um efeito geracional muito grande. Eu sou de uma geração que nem era a geração que pensava em casar e ter filhos, se acomodar na vida, como também eu sou da geração que se casou de novo. Eu me casei aos 24 anos e aos 26 anos eu tinha filho. Quando eu olho a geração hoje, pessoas de 30 até de 40 anos sem filhos, porque estão seguindo suas carreiras, seguindo suas vidas, fica muito notada para mim essa diferença de geração.
E eu sou cientista social, fiz graduação, mestrado e doutorado. Enfim, eu cumpri uma carreira acadêmica muito jovem ainda e sendo mãe ao mesmo tempo. Sou uma pessoa que tem um filho que é trans, um rapaz trans de 20 anos, e tem uma mulher de quase 26 anos que já é mãe, então, eu sou avó também, né? E também sou uma ativista social dos direitos humanos.
Isso meio que me levou também para uma condição de pessoa além da vida privada, que tava também para o mundo público. Eu não fui aquela mãe típica. E durante muito tempo eu me perguntava se estava sendo uma boa mãe. Como se fosse aquela culpa materna. Claro, eu tive a sorte de ter um companheiro muito presente também e dividir essa tarefa da maternagem. Então eu começo dizendo que a maternagem não é coisa de mulher. Isso é coisa de quem tem um coração que cuida, então a gente pode imaginar que existem homens que também podem exercer também essa tarefa.
OP+ - A senhora acha que seria correto dizer que todas as mulheres, mesmo não sendo mães, acabam maternando em algum momento?
Lídia - Eu acho que sim, mas isso também é um dado da cultura, não da natureza. Porque se atribuiu às mulheres essa responsabilidade pelo cuidado. A gente vê que existe muita pressão nisso, como um mecanismo também de opressão e de fazer com que essas mulheres estejam sempre fadadas a isso.
Que força social é essa que relega às mulheres o papel de cuidadora, quando não dentro de um sistema que não é igual para todos os gêneros, né? Mas eu faço também a reflexão da importância do cuidado, por isso que eu acho que o cuidado pode vir de qualquer gênero. Os homens também podem cuidar, e quando eles cuidam, eles maternam também. Toda vez que você cuida de alguém, você exerce essa maternagem.
Eu sou muito crítica dessas visões da mulher guerreira. Eu não gosto, sabe? Dizem que eu sou uma mulher guerreira, mas isso trouxe muitas consequências pra minha vida. Muito estresse, muita ansiedade, muitas questões. Mas ao mesmo tempo isso me ajudou a ter muita força, e a força também é um atributo muito importante nas mães. Você precisa ter força para criar, para o parto, para amamentar, para cuidar. Essa força está na espécie humana de modo geral, mas ela acaba aparecendo mais nas mulheres.
Então, quando você opera uma mudança social com mulheres engajadas nela, o potencial de transformação é muito grande. A força delas é maior porque, como esse papel foi socialmente atribuído a ela, ela opera essa energia dela para a criação da própria vida, e a partir daí ela pode transformar o mundo.
Eu sou uma jovem mulher indígena que aceito desafiar o preconceito e muitos desses vêm quando me torno mãe e começo a pensar não só em mim, mas nos meus filhos. Tenho dois filhos, um de 4 anos e uma bebê de 3 meses, e nesse período de ter um e outra me tornei mais forte. Quis atravessar vários mundos, e um deles foi sair da minha aldeia Lagoa Encantada, de contexto rural, para fazer morada ao lado do meu companheiro, que é indígena do povo Kariri da aldeia Maratoan de contexto urbano.
Embora tenha sido muito difícil aceitar essa mudança, estou me adaptando e tenho o apoio das lideranças de base Cacique Raimunda Kariri, Vice-Cacique Diana Kariri e Luciano Kariri, presidente da associação e articulador de seu povo e o apoio maior vem do meu companheiro Lucas kariri.
Na aldeia Maratoan estou atuando como professora na escola Indígena Cariri Tabajara na cidade de Crateús-Ce. Atuo também como produtora cultural e coordenadora do memorial indígena Vicente Kariri na aldeia Maratoan também em Crateús. Realizo alguns trabalhos culturais voltado para as crianças, adolescentes e jovens do povo Kariri de Crateús e aqui consigo me descobrir cada vez mais em outras habilidades.
Ser mãe indígena é mais desafiador ainda quando temos que conviver em uma sociedade que nos silencia o tempo todo. Mas acredito na encantaria que é a minha força, que me guia e tem me levado para espaços no quais eu pude falar e dialogar sobre o nosso protagonismo de ocupar espaços.
Estou aqui na aldeia Maratoan em Cratéus (CE), mas desenvolvo um projeto para as mulheres da minha aldeia em Aquiraz (CE), com o tema Artesãs Mulheres Encantadas Jenipapo-Kanindé, ação essa que tem como objetivo fortalecer os trabalhos artesanais das mulheres indígenas do meu povo. “Acredito na força das mulheres que me inspira o tempo todo e se hoje tenho tanta potencialidade de voz é porque antes de eu estar aqui, respeito a presença das minhas ancestrais que já passaram por aqui. Respeito também todas as minhas mais velhas, as mais novas e as iguais”.
Atravesso o mundo com minha identidade viva mostrando quem realmente eu sou, de onde vim, de onde estou e por onde quero passar.
Sou artista visual e cultural e quero colorir o mundo com as tintas do Jenipapo e Urucum como arma defensora para os meus que passarão por aqui. Dedico a minha luta aos meus filhos no qual me torna forte e necessária para estar aqui, pois ser mãe indígena é se entrelaçar no amor pelos os meus kurumins (filhos).
Janaina Jenipapo é indígena do povo Jenipapo-Kanindé, localizado no município de Aquiraz. Tem 28 anos, é filha, tia e mãe, e é estudante de Licenciatura Intercultural Indígena PITAKAJA na Universidade Federal do Ceará (UFC).
Como uma doutrinação, o instinto materno nos é apresentado bem cedo, às vezes antes de começarmos a falar. Na infância, somos presenteadas com bonecos que imitam bebês recém-nascidos, fogõezinhos, itens de casa, brinquedos que remetem ao trabalho reprodutivo não-remunerado e do cuidado. E assim nos treinaram e crescemos acreditando que ser MULHER é sinônimo de ser Mãe.
Quando os brinquedos saem de cena, entram frases como “A maternidade é um instinto, você só vai ser feliz quando tiver filhos”, eles dizem (às vezes elas). As mulheres que ousam não ter filhos e negar a maternidade, são consideradas (por parte da sociedade) egoístas, amargas, irresponsáveis, infelizes e muito mais. Afinal para eles (às vezes elas também), é fácil colocar na Mulher Não-Mãe qualquer rótulo que retire a humanidade/santidade que a maternidade um dia poderia lhe proporcionar.
Ainda que mais de 5,5 milhões de crianças brasileiras não tenham o nome do pai na certidão (Censo Escolar, 2019), é a escolha da Mulher que é alvo de discursos que romantizam a maternidade e reforçam a sua compulsoriedade, com o intuito de anular a capacidade de decidir da mulher.
A maternidade não é um instinto natural, tudo não passou de uma cultura com o objetivo de manter a mulher exercendo o trabalho reprodutivo e do cuidado (não-remunerados). O instinto natural é, sim, o que ocorre quando a Mulher, ao perceber que a paternidade sempre foi uma escolha, começa a querer que a maternidade também seja.
Patricia M. Correia é autora do livro "O Direito de Não Ter Filhos"; mestre em Direito; especialista em Gestão Pública e Direito Tributário; pós-graduanda em Direito Eleitoral; advogada e influenciadora no Instagram Jurídico-Informativo @laqueadurasemfilho
A educação positiva, que de dois anos pra cá vem sendo mais difundida (ainda bem!) é mais do que uma forma de educar crianças, é uma filosofia de vida. A proposta é respeitar a criança na sua integralidade. Respeitar seu desenvolvimento cerebral precoce, respeitar suas emoções e suas preferências. É o fim do pensamento arcaico e ultrapassado de que adultos mandam e crianças obedecem. Segundo esse último, crianças não têm que manifestar vontades ou sentimentos, só precisam ser boazinhas e ficarem quietas. E está mais do que provado que isso não funciona. Basta olharmos os índices de depressão, ansiedade, distúrbios emocionais da nossa sociedade atual para constatar isso.
Segundo a pedagoga e educadora parental, Maya Eingenmann, em entrevista ao MamyCast, educação positiva é sobre respeitar a criança integralmente.: “não é uma técnica, não é um adestramento. Estamos lidando com seres humanos. Para entendermos a educação positiva precisamos entendê-la como uma filosofia de vida. Eu vou me descontruir como pessoa, eu vou me desvencilhar dos meus gatilhos”. Segundo Maya, tentar aplicar a educação positiva a depender da personalidade ou comportamento da criança é reforçar a prática antiquada e ineficiente de só amarmos a criança quando ela é “boazinha”. Essa prática acaba desenvolvendo seres humanos (até adultos) que precisam se esforçar pelo amor dos pais, e que estão constantemente querendo agradá-los.
Sim, a educação positiva transforma o maternar. A partir do instante que você entende que a “birra” não é pessoal. A criança não tenta TE manipular. Não é sobre você. É sobre ela. Entendendo isso, fica mais fácil de lidar. Porque aprendemos a controlar nossa raiva e aprendemos a olhar pra criança e ensinarmos ela a se acalmar antes de qualquer coisa.
Rachel Gomes é jornalista do O POVO, apresentadora do O POVO News. Mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), ela também é podcaster no MammyCast, podcast de maternidade produzido no O POVO. Mãe da Serena e da Mamá.
Diversas mulheres estão compartilhando suas vivências com a maternidade na internet, e nada melhor do que criar uma rede de experiências compartilhadas. Separamos três perfis de influenciadoras no Instagram com foco na maternidade. Confira:
Isabelli Prates Gonçalves, do @depoisquepariduas
Ao mostrar a rotina com as filhas e compartilhar experiências da maternidade, a especialista em Neurociência, educação e desenvolvimento infantil (PUC-RS) conversa sobre educação positiva. Isabelli é educadora parental pela Positive Discipline Association.
Parent In Science, do @parentinscience
O Parent in Science busca apoiar mães na ciência, propondo políticas de apoio, ações e programas em todo Brasil. Foi fundado em 2016 por Fernanda Staniscuaski.
Andressa Reis, do @andressareiis
Andressa é mãe de três e compartilha experiências sobre maternidade, saúde e educação. É autora do livro infantil “Da cor que eu sou”, que celebra a diversidade das infâncias.
OP+ - É curioso, o acesso a esse potencial de cuidado, ao mesmo tempo muito pesado, confere às mulheres uma força que os homens não têm o hábito de acessar.
Lídia - Mas a eles foi dado o papel de cuidado do mundo público, e não do mundo privado. Quando essa mulher passa para a esfera pública, ela vai com muita força. A gente percebe esse potencial de transformação. Colocando um filho no mundo, cada mulher é agente de transformação.
Eu estava hoje em uma reunião com uma pesquisadora da Unicamp e ela vai mostrando como as pesquisadoras, as mulheres do mundo acadêmico, cada vez têm menos filhos, porque elas não se vêem na condição de tempo para cuidar.
A gente vive em um mundo em que as pessoas trabalham muito, estão muito sobrecarregadas de trabalho. E aí elas não veem em que momento ela vai colocar um filho no mundo, e sem rede de apoio, porque estamos cada vez mais individualistas.
Acho que toda mãe toda pessoa que tem um filho se desloca de si e percebe que não é mais só você no mundo. A gente sai da condição do egocentrismo e do individualismo. Então eu posso chegar a dizer que a sociedade individualista neoliberal se põe contra contra o próprio exercício de cuidarmos dos outros, de maternagem.
E aí, quem vai povoar o mundo? Quem vai fazer o mundo acontecer? Por isso que eu acho que Deus é mãe, porque a tarefa dele é maternar a criação dele.
OP+ - E o que a senhora aprendeu com esse amor incondicional?
Lídia - Ensinou muita coisa. Acho que me tornou uma pessoa melhor porque é como se minha existência dilatasse. Eu seria capaz de fazer qualquer coisa por um filho meu, eu diria que eu não sou mais sozinha no mundo. Eu não dou conta mais só de mim. A ideia de que há uma expansão.
A minha mãe teve oito, a minha avó pariu 21 vezes, então você vê o tamanho da expansão, né? Você joga no mundo alguém que você se vincula e isso tá praticamente em todas as classes sociais. Eu lido com mulheres em situação de rua e eu escuto muito isso delas, elas sofrem quando elas perdem a guarda dos filhos, porque você é privado da oportunidade de fazer alguma coisa para alguém, de cuidar do seu modo. Elas estão em sofrimento social, é claro que têm dificuldade de cuidar de outras pessoas, e aí o estado pune essas mulheres.
Então, voltando a sua pergunta, a maternidade me expandiu. Se a gente fosse pensar do ponto de vista social, nós constituiríamos outra sociedade se todos se expandissem como as mães. Em uma comunidade indígena, quando nasce um filho, ele é filho da comunidade. Toda a comunidade se responsabiliza por ele, e essa ideia pode ser transportada para a nossa sociedade. Vamos cuidar dos outros, vamos cuidar da natureza, dos animais, das plantas… Para que essa lógica de amor ela possa ser incluída na sociedade como um todo, e não atributo apenas das mães.
Por isso eu digo, a força feminina pode ser absorvida por toda a sociedade como modelo de criação, de transformação, de vivência.
Que tal responder à enquete abaixo e usar o campo dos comentários para discutir sobre a sua experiência com a maternidade? Você é mãe? Se sim, como é sua experiência com a maternidade? Se você não é mãe, você deseja ser? E o que motiva esse desejo? Vamos conversar nos comentários!
A segunda temporada do especial E.L.A.S. convida cinco mulheres e 15 articulistas para conversar sobre maternidade, trabalho, amor, corpo e menopausa