62 anos do Estatuto da Mulher Casada e o fenômeno das "tradwives" e "mulheres troféu"
Sara Oliveira é repórter especial de Cidades do jornal O Povo há 10 anos, com mais de 15 anos de experiência na editoria de Cotidiano/Cidades nos cargos de repórter e editora. Pós-graduada em assessoria de comunicação, estudante de Pedagogia e interessadíssima em temas relacionados a políticas públicas. Uma mulher de 40 anos que teve a experiência de viver em Londres por dois anos, se tornou mãe do Léo (8) e do Cadu (5), e segue apaixonada por praia e pelas descobertas da vida materna e feminina em meio à tanta desigualdade.
62 anos do Estatuto da Mulher Casada e o fenômeno das "tradwives" e "mulheres troféu"
Até 1962, as mulheres precisavam de autorização dos homens para trabalhar e negociar os próprios bens. Hoje, vivenciamos fenômenos em que as mulheres exibem estilos de vida onde só os homens têm o controle do suporte financeiro
Até 62 anos atrás, as mulheres precisavam de permissão para trabalhar fora de casa, receber herança, negociar bens e, no caso de separação, não tinham direito à guarda dos filhos. No dia 27 de agosto de 1962, a Lei 4.121, o Estatuto da Mulher Casada, começou a mudar essa realidade, tirando a esposa da condição infantil que precisava de representatividade masculina. Podendo ser economicamente ativa, a mulher era menos dependente. Um marco no direito e conquistas das mulheres brasileiras.
As mudanças nas leis civis, constitucionais e trabalhistas, que tentam priorizar o direito igualitário, não surgiram da noite para o dia ou num passe de mágica. Muito menos por vontade dos homens. Foi pela luta de movimentos organizados, combativos e com agendas públicas e políticas decisivas. Desde o direito ao voto, em 1932, aos outros dispositivos que se seguiram, como a Lei do Divórcio em 1977 - que considerou a dissolução do casamento além da condição de morte do cônjuge -, a Constituição de 1988 - responsável por grande reforma no Direito de Família -, e o Código Civil de 2002, que definiu igualdade de direitos e deveres de maridos e esposas.
Mais recente e ainda com demandas legislativas a cumprir, temos a Lei Maria da Penha, em 2006, e todas as suas conquistas jurídicas e nas áreas de prevenção, proteção e acolhimento a mulheres vítimas de violência. Ter uma Lei que pune homens que abusam, violentam e matam mulheres por sua condição de gênero foi e continua sendo fruto de muita luta e dor de uma mulher e de tantas outras.
Um dia antes deste 27 de agosto, me deparei com a história de uma mulher que teve o corpo queimado pelo ex-companheiro, em Russas, no Ceará. Na ocorrência, a filha de 11 anos tentou abraçá-la e também se queimou. Internada, a mulher não tem como cuidar dos quatro filhos, que foram acolhidos pelos vizinhos. Em um dos relatos ouvidos pela repórter Jéssika Sisnando, uma das vizinhas falava sobre o fato de o acusado “dar dinheiro a ela (vítima), que só sobrevivia do Bolsa Família”.
Ainda no dia que antecedeu o aniversário do Estatuto da Mulher Casada, resolvi abrir reportagens enviadas por uma colega de redação sobre um fenômeno que, de diferentes formas, incentiva estilos de vida femininos em que o suporte financeiro e profissional do casamento seja dominado pelos homens. Às mulheres, restam, numa ponta, os trabalhos domésticos e com os filhos; noutra ponta, a rotina em busca do corpo perfeito e de uma estética de mulher impecável.
Esses fenômenos são nomeados como “tradwives” ou “esposas tradicionais”, que mostram mulheres que levam estilos de vida caseiros, sob a ótica de que tais atividades são forma de honrar a família e a casa; as “mulheres troféu”, que postam nas redes sociais uma rotina em que elas não precisam fazer nada, além de malhar, pintar a unha e orientar os empregados; ou a hipergamia, que incentiva a busca por parceiros economicamente melhores do que você.
Sem julgamentos sobre as escolhas de cada uma de nós, reforço a importância de olharmos para as conquistas de gênero que custaram vidas, esforços, discriminação e tanta peleja por parte das mulheres. De conhecermos mais sobre a história jurídica feminina, sobre os movimentos feministas, sobre como as que vieram antes de nós nos permitiram ter o mínimo de voz e de direitos. E de como a independência feminina não pode mais ser cerceada, principalmente por nós mesmas.
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