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Mulheres e crédito: quando a desigualdade de gênero atravessa os sonhos
Reportagem

Mulheres e crédito: quando a desigualdade de gênero atravessa os sonhos

Conforme o levantamento do Sebrae, as mulheres donas de pequenos negócios ficam com uma fatia menor dos recursos que o mercado de crédito disponibiliza, com acesso a apenas 33%
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Mulheres donas de pequenos negócios enfrentam dificuldades de crédito (Foto: Matheus Souza)
Foto: Matheus Souza Mulheres donas de pequenos negócios enfrentam dificuldades de crédito

Empreender não é uma tarefa fácil. Mas, quando a desigualdade de gênero entra no meio, o sonho para conquistar seus objetivos pode ficar ainda pior. No Ceará, assim como no Brasil, as mulheres donas de pequenos negócios pagam mais juros e têm menos acesso ao crédito do que os homens. 

A conclusão é do estudo inédito realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com base nos dados do Banco Central. Conforme o levantamento, as empreendedoras pagam, em média, uma taxa anual de 42,5% de juros pelo crédito contratado enquanto os do sexo masculino pagam 39,9% de juros. 

Além disso, ficam com uma fatia menor dos recursos que o mercado de crédito disponibiliza para o pequeno negócio, com acesso a apenas 33% dos R$ 2,17 bilhões em empréstimos concedidos no Estado. Das operações realizadas, as mulheres respondem por apenas 39% do total de 457 mil, reforçando a disparidade entre os gêneros no que se refere à obtenção de crédito para a atividade empreendedora.

O mesmo estudo revela que as donas de pequenos negócios cearense têm uma taxa de inadimplência nas operações de crédito (8,7%) menor do que a dos homens (8,9%). Assim, para Carla Beni, economista e professora de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), não há explicação econômica para a disparidade. 

"Se não há essa justificativa financeira, o que temos é um preconceito ainda muito forte, somado ao machismo arraigado na nossa sociedade. Aí, quando a mulher vai pedir um empréstimo, é colocada, muitas vezes de forma implícita, em um patamar de risco de crédito maior."

A especialista ressalta que há uma barreira histórica construída porque, na maioria dos casos, o público feminino não negocia os termos do crédito e acaba aceitando o que é oferecido. Ainda de acordo com dados do Sebrae, mais de 78% das mulheres abrem suas empresas com seus próprios recursos. 

"Não que haja menos mulheres abrindo negócios especificamente, mas elas enfrentam um processo mais complexo, sociologicamente falando, para entrar em um banco e solicitar um empréstimo."

Dessa forma, ela explica que o impacto econômico é imediato, principalmente se levar em consideração que mais da metade dos domicílios no Brasil são chefiados por mulheres. "As que são chefes de suas famílias desejam abrir negócios e sustentar seus filhos. A responsabilidade é enorme. Por isso, é tão importante ter linhas de crédito específicas para mulheres."

Nesse sentido, Felipe Cidrão, analista da unidade de competitividade do Sebrae/CE, percebe que as mulheres têm um nível de organização, planejamento e compromisso até maior do que os homens. Porém, no mercado de forma geral, isso ainda é pouco reconhecido.

Por isso, a instituição trabalha com o Sebrae Delas e o Crédito Consciente, que incentiva, valoriza e acelera a jornada empreendedora das mulheres, sejam empresárias, com negócios em operação, formais ou informais, ou as que estão se preparando ou buscando alguma oportunidade.

Também há o Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe). Serão R$ 30 bilhões para os próximos três anos com instituições financeiras como BNB, Caixa e Sicredi, mas a expectativa é que aumente até o fim do ano. 

"O Sebrae entra fortemente nessa parceria, oferecendo orientações, capacitações e consultorias individualizadas e customizadas na área de gestão financeira e crédito."

Sem crédito, Amanda lida com três turnos para se sustentar

Pelas ruas de Fortaleza, mais especificamente na Praça da Argentina, no bairro de Fátima, Amanda Nogueira, proprietária da Potcake doceria, vende seus brigadeiros durante o turno da noite, às sextas e aos sábados. Com mais de sete anos desde a fundação, o sonho de empreender surgiu com o seu pai, que tinha uma barraca de praia em Morro Branco, a cerca de 88 km da Capital. Atualmente, ela está cadastrada como Microempreendedor Individual (MEI). "Sempre tive o empreendedorismo na minha família; meu avô era verdureiro e, apesar de ser analfabeto, sabia fazer contas. Toda essa vivência com empreendedorismo me trouxe até onde estou hoje."

Para conseguir se sustentar, Amanda explica que, hoje em dia, não consegue mais viver apenas dos seus doces. Mas, durante um bom tempo, tentou conseguir crédito em instituições financeiras ou programas e foi negada. Um deles é o "Nossas Guerreiras", ofertado pela Prefeitura de Fortaleza. Conforme explica a empreendedora, o programa é atrativo por conta dos juros baixos e o alto crédito ofertado, porém, nunca conseguiu acesso.

Além disso, tentou o Ceará Credi, programa do Governo do Estado, e conseguiu entrar. "No entanto, o valor aprovado (mil reais) foi praticamente simbólico. Infelizmente, não dá para comprar muita coisa, considerando o preço de leite condensado e chocolate em pó hoje em dia."

Foi assim que sentiu a necessidade, além de outros fatores, de trabalhar durante meio período em uma academia. Só que o dia não acaba aí: a noite também cursa marketing, por meio de uma bolsa filantrópica conquistada. "Como agora tenho aulas à noite, minha disponibilidade para vender mudou, então, além das encomendas que recebo, estou indo vender na rua às sextas e sábados [...] São 200 brigadeiros por semana, fora as encomendas, que variam muito de acordo com o mês."

Assim, ela afirma que o objetivo é aplicar o que está aprendendo na universidade para agregar ao seu negócio. "Já estou participando de projetos focados no empreendedorismo, e tive uma reunião recentemente para criar um plano de negócios para alavancar [...] Acredito que mais adiante colherei os frutos desse esforço.

Programas para mulheres empreendedoras

Empréstimo aos pequenos negócios no Ceará

Sebrae Delas

Quem opera: Sebrae

Quais os requisitos: Mulheres que ainda não possuem negócios formalizados e as que já possuem o seu negócio formalizado, mas estão buscando modernização, escalonamento e inovação

Como funciona: Aceleração para aumentar a probabilidade de sucesso de ideias e negócios liderados por mulheres

Como acessar: sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/faleconosco

Crediamigo

Quem opera: BNB

Quais os requisitos: Ter ou querer iniciar uma atividade comercial e obter faturamento de até R$ 360 mil ao ano

Como funciona: Para crédito em grupo, é preciso reunir amigos empreendedores. Esta união possibilita o aval solidário, que é a garantia conjunta para o pagamento das prestações. Para crédito individual, é necessária a garantia de coobrigado

Como acessar: WhatsApp (85 9973 0700) ou formulário no site bnb.gov.br/faca-um-crediamigo

Acredita no seu negócio

Quem opera: Governo Federal

Quais os requisitos: Ser MEI, micro

ou pequena empresa e faturamento de

até R$ 360 mil no ano anterior

Como funciona: O Fundo Garantidor

de Operações (FGO) vai disponibilizar

R$ 4 bilhões para o Proced 360, para os empreendedores que não foram atendidos

de maneira eficaz pelo Pronampe

Como acessar: É necessário solicitar diretamente ao banco

Ceará Credi

Quem opera: Governo do Ceará

Quais os requisitos: Quem busca

exercer atividade produtiva de geração

de renda, com ênfase nos jovens, mulheres

e pessoas de baixa renda

Como funciona: Visa ampliar oportunidades de trabalho e renda para microempreendedores, trabalhadores autônomos, formais e informais, e agricultores familiares, com crédito produtivo orientado e capacitação. O investimento fixo vai de R$ 1 mil a R$ 5 mil

Como acessar: cearacredi.ce.gov.br

Nossas Guerreiras

Quem opera: Prefeitura de Fortaleza

Quais os requisitos: Ser mulher, prioritariamente chefe de família, ter no mínimo 18 anos, ser hipossuficiente em renda, não ter sido beneficiada com recursos em edições de programas/projetos similares da Prefeitura, residir e ter o empreendimento na Capital, com preferência em bairro de baixo IDH-b

Como funciona: Crédito de até R$ 3 mil para 17 mil mulheres de baixa renda. Há capacitações e consultorias, carência de seis meses e prazo para pagar de até 30 meses sem juros

Como acessar: 0800 081 4141 ou site nossasguerreiras.fortaleza.ce.gov.br

Crédito Produtivo

Quem opera: Banco Palmas

Quais os requisitos: Residir

no Conjunto Palmeiras

Como funciona: Taxas de juros baixas e condições flexíveis, sendo possível parcelar em até 12 vezes. O crédito é concedido em moeda social através do APP E-dinheiro Brasil

Como acessar: WhatsApp (85 98790 8413)

Taxa média

de juros ao

ano para

os pequenos negócios

Brasil

Mulheres: 40,6%

Homens: 36,8%

Ceará

Mulheres: 42,5%

Homens: 39,9%

Taxa média de inadimplência

Brasil

Mulheres: 7,6%

Homens: 7,1%

Ceará

Mulheres: 8,7%

Homens: 8,9%

Crédito concedido

a pequenos negócios

Brasil

Total concedido: R$ 109 bilhões

Para mulheres: 29%

Para homens: 71%

Ceará

Total concedido:

2,17 bilhões

Para mulheres: 33%

Para homens: 67%

operações

Brasil

Total de operações:

23,1 milhões

Por mulheres: 40%

Por homens: 60%

Ceará

Total de operações: 457 mil

Homens: 61%

Mulheres: 39%

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