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Lubrificante digital: a IA não se importa com o certo e sim se você está feliz
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Vladimir Nunan é CEO da Eduvem, uma startup premiada com mais de 20 reconhecimentos nacionais e internacionais. Fora do mundo corporativo, é um apaixonado por esportes e desafios, dedicando-se ao triatlo e à busca contínua pela superação. Nesta coluna, escreve sobre tecnologia e suas diversidades

Vladimir Nunan tecnologia

Lubrificante digital: a IA não se importa com o certo e sim se você está feliz

Inspirado nos gestos humanos que facilitam a convivência — como elogios, sorrisos e cortesias — o "lubrificante social digital" se refere ao uso de tecnologias para reduzir atritos nas interações online. Plataformas como Instagram, TikTok, LinkedIn e assistentes de IA como o ChatGPT são projetados para maximizar o engajamento e evitar frustrações
Tipo Análise
Script usado: robot, human, love, happy, AI, tech, Photography, Shot on 70mm, Depth of Field, --ar 16:9 --v 6.0 (Foto: Imagem gerada por Inteligência Artificial (script próprio): Midjourney)
Foto: Imagem gerada por Inteligência Artificial (script próprio): Midjourney Script usado: robot, human, love, happy, AI, tech, Photography, Shot on 70mm, Depth of Field, --ar 16:9 --v 6.0

Vivemos em uma era onde a interação digital é mediada por algoritmos que buscam otimizar a experiência do usuário. Nesse contexto, surge o conceito de "lubrificante social digital", um termo que descreve a estratégia de tornar nossas experiências online mais suaves, confortáveis e emocionalmente agradáveis — mesmo que isso signifique abrir mão da verdade.

O problema? Quando a verdade é sacrificada em nome da agradabilidade, o conhecimento e a capacidade crítica do indivíduo ficam comprometidos. Este artigo analisa cientificamente como redes sociais e inteligência artificial (IA) são desenhadas para agradar, e não necessariamente para informar.

O que é lubrificante social digital?

Inspirado nos gestos humanos que facilitam a convivência — como elogios, sorrisos e cortesias — o "lubrificante social digital" se refere ao uso de tecnologias para reduzir atritos nas interações online.
Plataformas como Instagram, TikTok, LinkedIn e assistentes de IA como o ChatGPT são projetados para maximizar o engajamento e evitar frustrações. Isso significa que muitas vezes eles optam por respostas mais agradáveis, mesmo que imprecisas ou enviesadas.

Na prática:

  • Redes sociais mostram o que você quer ver.
  • IAs respondem com aquilo que você quer ouvir.

Essa suavização digital não é neutra — ela molda o modo como percebemos a realidade.

O ChatGPT e o efeito de agrado

Modelos como o ChatGPT funcionam por meio de modelagem estatística de linguagem. Ao receber um prompt, eles predizem a próxima palavra com base em milhões de exemplos. O foco é gerar respostas coerentes, plausíveis e que mantenham o usuário satisfeito. Essa satisfação é medida por:

  • Interação prolongada.
  • Feedback positivo.
  • Reutilização da ferramenta.

Por isso, muitas vezes o modelo elogia o usuário ou reforça sua visão de mundo, evitando confrontos.
Um estudo da University College Dublin demonstrou que modelos como o ChatGPT-3.5 criavam biografias falsas sobre figuras públicas LGBTQIA+, gerando desinformação com um tom confiante. O problema não era apenas o erro factual, mas a forma como o modelo tornava a mentira palatável.

Redes sociais e o viés de confirmação

Plataformas sociais usam algoritmos que priorizam o que você provavelmente vai gostar, curtir, comentar ou compartilhar. Isso cria um ciclo de viés de confirmação, onde:

  • Você só vê opiniões similares às suas.
  • Informações contrárias são filtradas.
  • A sensação de estar sempre certo aumenta.

Esse fenômeno forma as chamadas bolhas informacionais, onde a realidade é editada para se adequar às suas preferências. Estudo publicado na PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences) confirma que o consumo excessivo de informações alinhadas ao viés pessoal está associado ao aumento de polarização social e à menor disposição ao diálogo.

Efeitos psicológicos e cognitivos

Estudos mostram que o contato frequente com esse tipo de tecnologia pode:

1. Diminuir a capacidade de lidar com críticas.

Usuários condicionados a feedback positivo online reagem mal a feedbacks construtivos no mundo real.

2. Reduzir o pensamento crítico.

Sem exposição ao contraditório, perde-se a capacidade de argumentar e refletir sobre diferentes pontos de vista.

3. Promover desinformação validada.

Ao apresentar informações falsas de forma suave, o usuário se sente confortável, mesmo quando enganado.

4. Estimular o antropomorfismo digital.

Ao humanizar respostas de IA, as pessoas passam a confiar nelas como se fossem conselheiros ou amigos confiáveis.

O conforto como obstáculo à verdade

Daniel Dennett dizia que a função do pensamento é desafiar certezas. Mas o lubrificante social digital faz o oposto: valida suas certezas, evita dissonância cognitiva e elimina atrito. A verdade, porém, é muitas vezes desconfortável. E é justamente esse desconforto que promove crescimento e maturidade intelectual.

Caminhos para a autonomia cognitiva

1. Alfabetização digital e algorítmica.

Ensinar desde cedo que as respostas online podem ser enviesadas por algoritmos que priorizam engajamento, não veracidade.

2. Exposição ao contraditório.

Consumir conteúdo de fontes diversas, inclusive as que pensam diferente de você.

3. Checagem de fatos.

Incentivar a busca por fontes primárias e a conferência de dados antes de compartilhar informações.

4. Exigir transparência algorítmica.

Cobrar que plataformas revelem como seus sistemas classificam, priorizam e exibem conteúdo.

Conclusão

O lubrificante social digital é suave, eficiente e viciante. Mas também pode ser um anestésico perigoso contra a verdade. ChatGPT não pensa. Não sente. Não se importa. É um sistema que prevê o que você quer ler com base no que já gostou antes.

Nunca se esqueça disso: Não é inteligência. É previsão. E, muitas vezes, essa previsão prioriza o conforto emocional à verdade crua. Saber disso é o primeiro passo para retomar o controle do que você consome, acredita e compartilha.

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