Vladimir Nunan é CEO da Eduvem, uma startup premiada com mais de 20 reconhecimentos nacionais e internacionais. Fora do mundo corporativo, é um apaixonado por esportes e desafios, dedicando-se ao triatlo e à busca contínua pela superação. Nesta coluna, escreve sobre tecnologia e suas diversidades
Este artigo explora como os datacenters vêm sendo removidos de grandes centros urbanos em diversas partes do mundo, devido ao seu papel significativo na escassez hídrica
Foto: Imagem gerada por Inteligência Artificial (script próprio): Midjourney
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Na era da computação em nuvem, do streaming contínuo e da inteligência artificial, os datacenters tornaram-se a espinha dorsal invisível da sociedade moderna. Poucos percebem, no entanto, o custo ambiental desse progresso, especialmente o impacto severo no consumo de água potável. Este artigo explora como os datacenters vêm sendo removidos de grandes centros urbanos em diversas partes do mundo, devido ao seu papel significativo na escassez hídrica.
A demanda oculta de água na era digital
Cada clique, vídeo assistido ou arquivo carregado ativa uma cadeia complexa de processamento computacional em datacenters espalhados globalmente. Para que esses servidores funcionem 24 horas por dia, sete dias por semana, é necessária energia elétrica em grande escala e, sobretudo, água em volumes expressivos.
Pesquisas do Uptime Institute e da Environmental Research Letters apontam que um único datacenter de grande porte pode consumir entre um e cinco milhões de litros de água por dia, sendo a maior parte utilizada para resfriamento. Esse volume é equivalente ao consumo diário de uma cidade com dez mil habitantes.
A pressão sobre os recursos hídricos tende a aumentar significativamente nos próximos anos, à medida que a quantidade de datacenters precisa crescer para atender à demanda crescente da sociedade digital. De acordo com o relatório da Mordor Intelligence, a capacidade global instalada deve saltar de 45.300 MW em 2024 para 71.980 MW em 2029, com uma taxa de crescimento anual composta de 9,7%.
No Brasil, o Ministério de Minas e Energia estima a necessidade de 9 GW em novos datacenters até 2035, com mais de 20 projetos já registrados em estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Ceará.
Globalmente, espera-se que apenas em 2025 sejam entregues 10 GW em novos centros, com projeções de que o setor dobre de tamanho até 2031. Essa expansão estrutural, embora essencial para sustentar a nuvem, a inteligência artificial e o big data, levanta sérias preocupações quanto à sustentabilidade do modelo atual de consumo hídrico.
Como os datacenters usam água
O uso da água nos datacenters ocorre principalmente de duas maneiras:
resfriamento evaporativo direto, com uso de torres que evaporam a água para dissipar o calor gerado pelos equipamentos;
sistemas de chillers mecânicos, que funcionam em circuito fechado, mas ainda exigem água para manter a eficiência térmica;
Mais de 70% dos datacenters em operação ainda utilizam métodos que demandam água retirada diretamente da rede pública ou de fontes subterrâneas.
Casos reais de expulsão de datacenters por cidades
Mesa, Arizona (Estados Unidos): em 2022, o governo local impediu a ampliação de um datacenter da Meta (Facebook), após denúncias de que o centro utilizaria mais de um milhão e meio de litros de água por dia, mesmo em uma região afetada por seca extrema.
Amsterdã, Países Baixos: a cidade implementou uma moratória em 2019 para impedir a construção de novos datacenters. A decisão foi motivada pelo alto consumo de energia e de água, que chegava a milhares de metros cúbicos por semana.
Vale do Elqui, Chile: o governo chileno está reavaliando concessões para empresas como o Google em regiões áridas, onde a operação de datacenters compromete os aquíferos locais.
O efeito cascata da escassez hídrica urbana
O consumo de água por datacenters afeta diretamente a distribuição pública. Entre as consequências estão:
Redução no abastecimento doméstico;
Pressão sobre reservatórios e aquíferos;
Conflitos legais entre empresas e comunidades;
Aumento da desigualdade no uso de recursos entre a população e o setor privado.
Em áreas de estresse hídrico elevado, como o Nordeste brasileiro ou o sudoeste norte-americano, cada litro extraído pode desequilibrar um ecossistema inteiro.
A falácia do “Datacenter Verde”
Diversas empresas de tecnologia promovem iniciativas para tornar seus datacenters sustentáveis. No entanto, essas ações concentram-se, na maioria dos casos, apenas no uso de energia renovável, ignorando completamente a pegada hídrica.
Relatórios do Pacific Institute demonstram que, mesmo quando abastecidos por painéis solares, os datacenters continuam altamente dependentes de água para operar com eficiência. Isso configura uma forma de greenwashing digital, em que ações de marketing ocultam o verdadeiro impacto ambiental dessas infraestruturas.
Tecnologias emergentes de redução hídrica
Estão em desenvolvimento algumas alternativas promissoras, como:
Resfriamento por imersão líquida, onde fluidos especiais substituem o ar e a água.
Datacenters submersos, como no projeto Natick, da Microsoft, que utiliza o resfriamento natural do oceano.
Algoritmos de inteligência artificial para distribuição térmica automatizada, que reduzem pontos de aquecimento.
Apesar do potencial, essas soluções ainda apresentam alto custo e baixa escalabilidade, sendo restritas a testes ou operações experimentais.
Legislações e restrições governamentais em expansão
Diante da emergência climática, autoridades públicas vêm impondo regras mais rígidas sobre o uso de água por datacenters. Entre os exemplos mais recentes estão:
A França, que estabeleceu a obrigatoriedade de reaproveitamento de águas residuais a partir de 2023;
A Califórnia, que impôs em 2024 limites de consumo hídrico por metro quadrado construído. O Brasil, onde tramita um projeto de lei que propõe tarifas adicionais para datacenters que operam em regiões de escassez hídrica.
O paradoxo econômico dos datacenters: baixa geração de empregos e incentivos fiscais
Apesar de representarem investimentos significativos em infraestrutura, os datacenters têm se mostrado economicamente menos vantajosos para as comunidades locais do que se imagina. Estudos indicam que, após a fase de construção, essas instalações geram um número reduzido de empregos permanentes.
Por exemplo, um grande datacenter pode empregar entre 30 e 50 pessoas, o que é consideravelmente inferior ao número de empregos gerados por outras indústrias que ocupam áreas semelhantes e consomem recursos comparáveis.
Além disso, muitos datacenters operam com altos níveis de automação, reduzindo ainda mais a necessidade de mão de obra. Esse cenário levanta questões sobre o retorno dos investimentos públicos em infraestrutura e os incentivos fiscais concedidos para atrair essas instalações.
No Brasil, o governo tem oferecido uma série de incentivos fiscais para fomentar a instalação de datacenters, incluindo a isenção de impostos como PIS, Cofins, IPI e tarifas de importação sobre equipamentos de tecnologia da informação.
Embora essas medidas visem atrair investimentos e posicionar o país como um hub tecnológico, elas também resultam em renúncias fiscais significativas, sem garantias de benefícios proporcionais em termos de geração de empregos e desenvolvimento econômico local.
Portanto, é crucial que as políticas públicas considerem não apenas os investimentos iniciais, mas também os impactos socioeconômicos de longo prazo das instalações de datacenters, garantindo que os benefícios sejam equitativos e sustentáveis para as comunidades envolvidas.
Cidades inteligentes estão dizendo não
Metrópoles que investem em infraestrutura verde e políticas de resiliência climática estão optando por limitar ou negar a instalação de datacenters com alto consumo hídrico. A justificativa é clara: não se pode construir cidades inteligentes comprometendo recursos essenciais como a água potável.
Como empresas e cidadãos podem agir
A transformação exige colaboração ativa de todos os setores. Entre as medidas possíveis estão:
Priorizar provedores de serviços digitais com certificações ambientais que considerem a pegada hídrica.
Exigir relatórios transparentes sobre o uso de água por grandes empresas de tecnologia.
Apoiar projetos de inovação focados na redução de consumo hídrico na infraestrutura digital.
Considerações finais
A revolução digital precisa ser compatível com a preservação dos recursos naturais. Os datacenters são essenciais para a economia e a comunicação global, mas seu modelo de operação precisa mudar com urgência.
Cidades que removem centros de dados com alto impacto ambiental estão tomando uma atitude corajosa e necessária. O desafio agora é desenvolver uma infraestrutura digital que respeite os limites do planeta e garanta o futuro da próxima geração.
E, diante disso, surge uma pergunta incômoda, porém necessária: será que, para você assistir ao próximo vídeo viral ou postar mais um meme, algum ser humano ou animal terá que passar sede? A água que refrigera os servidores que sustentam sua vida online pode estar sendo desviada de comunidades inteiras que lutam diariamente por acesso básico à água potável.
Não se trata de abandonar o progresso, mas de decidir se ele continuará sendo alimentado à custa da dignidade alheia. Reflita. Seu clique tem consequências.
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