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"Educação deve ser pensada em longo prazo e para isso é preciso ter garantia da verba"
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"Educação deve ser pensada em longo prazo e para isso é preciso ter garantia da verba"

O sergipano, membro do Consed, acredita em uma aprovação do Fundeb pelo Senado e na manutenção das conquistas obtidas na Câmara
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Josué Modesto, secretário da Educação, do Esporte e da Cultura de Sergipe (Foto: Eugenio Barreto/ DIVULGAÇÃO Seduc Sergipe)
Foto: Eugenio Barreto/ DIVULGAÇÃO Seduc Sergipe Josué Modesto, secretário da Educação, do Esporte e da Cultura de Sergipe

Depois de cinco anos de debates e divergências, a renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) foi aprovada na Câmara dos Deputados na última terça-feira, 21. Com previsão para acabar em dezembro deste ano, a principal política de financiamento do ensino básico brasileiro poderá se tornar permanente. Para isso, é necessário que, nas próximas semanas, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 15/15 seja aprovada no Senado e sancionada pela presidência. Em conversa com O POVO, o sergipano Josué Modesto, responsável pelo tema no Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), comenta sobre a proposta que avança no Legislativo e impactos práticos da aprovação.

O POVO - Dias antes da votação na Câmara, o Planalto tinha uma contraproposta para que o fundo também pudesse ser empregado em programas de assistência social. Além disso, o Executivo desejava que o Fundeb só voltasse em 2022. O que foi aprovado e o que representa esse passo?

Josué Modesto - Essa proposta veio no fim de semana e foi tão contrária ao consenso que vinha sendo discutido que acabou ampliando o consenso sobre o tema. Ao fim, acabou também sendo uma contribuição não prevista ao aumentar a porcentagem que virá da União e estabelecer que haverá algo destinado especificamente à educação infantil. Agora, a aprovação na Câmara representa uma primeira vitória e um avanço contra ameaças à Educação.

OP - Na visão do senhor, quais mudanças se faziam mais urgentes em termos de transformações práticas para municípios, escolas, professores e alunos?

Josué - Essa proposta que avança torna o fundo mais equitativo e isso é uma mudança significativa que implicará em melhores condições para muitas escolas. Alguns pontos centrais que estão sendo discutidos são a nova distribuição do ICMS e a complementação conforme indicadores de melhoria da aprendizagem em cada rede de ensino. Acredito que vá induzir os municípios a ter um olhar mais próximo e acurado sobre seu estado educacional, os estados a estabelecer redes de colaboração com seus municípios e cada escola a buscar os melhores resultados. Isso já é bem colocado no Ceará e estados como Pernambuco, Espírito Santo e São Paulo estão nesse processo. O avanço do Fundeb deve levar também ao avanço dessas estratégias pelo País.

OP - Com as mudanças, estima-se que mais 17 milhões de alunos serão beneficiados por meio de recursos para a escolas em que estudam. Como o novo Fundeb poderá beneficiar o Nordeste?

Josué - Hoje Sergipe e Rio Grande do Norte são dois estados que não recebem complementação federal do Fundeb porque não se enquadram nos requisitos postos. Mas, na prática, a situação de escolas, especialmente nos interiores, não difere muito da daqueles que estão em estados vizinhos que têm o repasse da União. Com essa nova proposta, a gente vislumbra que muitos municípios poderão ter melhores aportes. Haverá mais recursos para aqueles que mais necessitam independentemente de onde estejam.

Isso impacta tanto nas redes de ensino como já mencionei, quanto nas possibilidades de investimento na infraestrutura das escolas, o que tem potencial para torná-las paulatinamente melhor equipadas. Muitos municípios pobres terão condições de pagar melhor os professores, participar da rede de educação do seu estado e proporcionar estruturar que hoje seguem quase como que exclusivas de escolas privilegiadas, como laboratórios.

OP - A proposta agora segue para apreciação dos senadores, por quem também deve ser analisada em dois turnos e precisará da aprovação de pelo menos 49 representantes da Casa. O que podemos esperar do Senado?

Josué - O Senado tem a prerrogativa de colocar alterações e trazer para novos debates na Câmara e prolongar a decisão final. Mas, como os senadores têm pouco tempo até o fim do ano e como há um consenso expressivo na Câmara e também na sociedade, a nossa expectativa é que a votação não demore e que as conquistas obtidas na Câmara se mantenham. Há uma expectativa e uma probabilidade alta de ser votado na próxima semana e de ser uma votação favorável.

OP - O Fundeb é responsável por quase R$ 6,50 de cada R$ 10 investidos nas escolas públicas brasileiras. Sabemos que somente recursos e investimentos não garantem uma educação de qualidade, mas qual a importância de termos o fundo e de que ele seja permanente?

Josué - Bons desempenhos na educação vem de um conjunto de boas práticas, avaliações e acompanhamento que vão melhorando gradativamente e um ponto importante que parece estar sendo percebido nesse momento é que a educação pública precisa ser política de Estado. Ou seja, ela precisa ter garantia de manutenção independente de qual seja o governo. A educação deve ser pensada em longo prazo e para poder pensar assim é necessário ter a segurança de que a verba estará presente daqui dois, dez ou vinte anos. 

O Fundeb não garante a estabilidade de recursos, porque depende da economia e da consequente arrecadação de impostos, mas é uma garantia pelo menos contra decisões arbitrárias de corte de investimentos. Mesmo a diminuição da população jovem e diminuição de estudantes da Educação Básica não significa que a gente em algum momento deverá parar. A gente investe muito pouco atualmente.

OP - Ainda falando sobre a preponderância dos valores provenientes do Fundeb, um levantamento feito por pesquisadores das universidades federais de Goiás (UFG) e do Paraná (UFPR) indica que recursos do fundo representam mais de 80% do total investido em educação por 2.022 prefeituras do País. Isso não seria uma forma de dependência de verbas e, portanto, uma destinação não sadia?

Josué - Entendo que haja a crítica, mas discordo de que haja uma dependência. Todo cidadão tem que ter direito a uma educação de qualidade e que viabilize a sua construção como cidadão, viabilize um desenvolvimento integral como pessoa humana. Algumas prefeituras vivem uma situação de realmente não ter recursos simplesmente porque as atividades econômicas do município são muito deprimidas, informais, geram pouca renda. Nessas cidades, ou pessoas seriam condenadas a perpetuar um ciclo de pobreza ou teriam de migrar para regiões mais desenvolvidas, é isso que nós queremos? Se o município é responsável pelo ensino básico ele tem que receber recursos. E não é ruim que ele receba. Mesmo com as possibilidades de mal uso, considero os repasses uma solução melhor do que a alternativa de criar escolas federais que vez em quando alguém levanta.

OP - Se há possibilidade de mal uso das verbas repassadas, então há pontos fracos no Fundeb, correto? Como eles poderiam ser melhorados?

Josué - Olha, existem sim, mas temos mecanismos que podem garantir sua melhor execução. Temos os órgão públicos de controle de contas, os conselhos do Fundeb, a sociedade civil. O segredo, como sempre, é a transparência e a publicidade dos investimentos para que tudo possa ser checado por todos. A solução é uma presença cada vez mais ativa dessas instâncias, principalmente da sociedade. 

 

O Fundeb

É um conjunto de 27 fundos estaduais a partir de um conjunto de impostos federais, estaduais e municipais. Entrou em vigor em 2007 para substituir o Fundef, que vigorou entre 1998 e 2006.

Educação básica brasileira

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a educação brasileira é dividida em dois níveis: educação básica e o ensino superior. A educação básica abrange o ensino infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.

Destinação

Atualmente, pelo menos 60% do Fundeb deve ser aplicado no pagamento de salários dos profissionais do magistério. O restante pode ser usado nas despesas consideradas como de “manutenção e desenvolvimento do ensino” pelo art. 70 da LDB. Nele constam aquisição de equipamentos e material didático, construção e manutenção das escolas, transporte escolar etc.

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