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Washington Araújo: "A regra era desafogar o TJ"
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Washington Araújo: "A regra era desafogar o TJ"

A poucos dias de deixar o cargo, presidente do Tribunal de Justiça do Ceará conversou com O POVO e fez balanço da gestão, focada em melhorar produtividade da Corte
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FORTALEZA, CE, Brasil. 13.01.2021: Washington Araújo, presidente do TJ/CE, visita o jornal O Povo e faz balanço dos seus dois anos na Corte. (Fotos: Deisa Garcez/Especial para O Povo) (Foto: Deisa Garcez/Especial para O Povo)
Foto: Deisa Garcez/Especial para O Povo FORTALEZA, CE, Brasil. 13.01.2021: Washington Araújo, presidente do TJ/CE, visita o jornal O Povo e faz balanço dos seus dois anos na Corte. (Fotos: Deisa Garcez/Especial para O Povo)

Algo praticamente impensável no Judiciário cearense de alguns anos atrás, o desembargador Washington Araújo chegou em 2019 à presidência do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) de forma pacífica, sem disputa interna.

“Antes era um modelo diferente, se chegava ao comando do Tribunal apenas pelo critério de antiguidade. Mas mudamos isso, todos passaram a ser elegíveis, até mais novos na Corte como eu”, diz o magistrado, com 60 anos de idade e nove como desembargador.

A mudança não ficou só no meio de acesso ao cargo. Concluindo mandato na Corte em fevereiro, Washington deixará para a sucessora, Nailde Pinheiro, transformações de uma gestão focada em melhorar a produtividade do TJ-CE. “Eu já sabia exatamente o que fazer. Conhecia o Tribunal e sabia quais eram os problemas. Chegando lá, foi só aplicar”, diz Washington.

Diante dos resultados – segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Judiciário cearense deixou de ser o menos produtivo do País em 2017 para o nono em taxa de congestionamento no ano passado. E até difícil discordar.

O POVO - De 2017 para cá, o TJ-CE passou de Tribunal menos produtivo do Brasil, segundo o CNJ, para a 9ª posição entre 26 UFs na taxa de congestionamento. Quais medidas levaram a essa mudança?

Washington Araújo - Tem todo um cenário. Nós começamos a implantar o processo judicial eletrônico lá atrás, acho que por volta de 2010. Naquela época algo exclusivo à Capital. Aí o Gladyson (Pontes, desembargador que antecedeu Araújo na presidência do TJ-CE) expandiu para cidades de comarcas de entrância final, maiores, Maracanaú, Sobral, Caucaia, Crato e Juazeiro do Norte. E nós vimos então a necessidade de levar o processo judicial eletrônico para todo o Estado. Como a gente sempre diz, só por ser eletrônico, já é 30% mais rápido. Então, o cenário que nós trabalhávamos antes mesmo da pandemia já era um cenário em que se pudesse trabalhar mesmo à distância, porque o deslocamento é caro e traz risco aos magistrados e servidores. Nós mesmos tivemos dois óbitos recentes, nos anos 2000, nós perdemos o juiz Airton Matos Cruz, que faleceu em um capotamento de carro em Ipu, e perdemos o Feitosa (juiz Roberto Jorge Feitosa de Carvalho, morto em 2009), isso em deslocamento. Então tem todas essas questões, e já imaginávamos em um cenário em todo o Estado que não tivéssemos mais processo em papel, porque isso permite que o Tribunal seja mais rápido. Tivemos também uma série de ações estruturantes: ligamos todos os nossos fóruns ao Cinturão Digital, para possibilitar videoconferências e trabalho remoto em todo o Estado, também antes da pandemia, implantamos o processo judicial eletrônico e começamos a digitalizar o nosso acervo. Criamos também programas para agregar força de trabalho ao Tribunal, o que foi muito importante, porque o nosso diagnóstico era o de que tínhamos a menor força de trabalho per capita do Brasil e nós tínhamos o menor orçamento per capita do Brasil. Não sei se as pessoas sabem, mas, para se ter uma ideia, na Justiça Federal cada juíz tem 21 servidores. Sabe quantos servidores tem um juiz nosso? Dois. Então, é uma realidade muito desigual, aqui dá muito mais trabalho produzir. E aí concebemos programas como o do juiz leigo (profissionais capacitados pelo TJ e supervisionados por juízes para a aceleração na homologação de atos) e de estagiários de pós-graduação em Juizados Especiais. E aí só em 2020 tivemos 61 mil despachos, só nesse programa foram produzidas 44 mil minutas de sentenças, 28,3 mil minutas de decisões, com 180 estagiários de pós-graduação coordenados por magistrados. Aquilo ali era para realmente desafogar, quando eu concentrei esses estagiários e os juízes leigos ali era exatamente para isso, eu vou levar essa força de trabalho para onde havia mais necessidade, para onde a atuação deles causassem o maior impacto positivo nos números do Tribunal. No primeiro momento atuavam em demandas de massa, onde havia mais concentração. Eu conhecia bem o Tribunal, então tinha certeza que o caminho era esse, eu nunca tive dúvida.

OP - Sua gestão também foi marcada pela aprovação de um projeto de reestruturação de comarcas. Por que foi tomada essa decisão e quais os efeitos dela?

Araújo - Nós sabíamos que nós precisávamos modernizar a nossa estrutura, porque o nosso modelo era arcaico, concebido na época do processo físico, quando nem se imaginava a possibilidade do processo eletrônico, né. E por aí fizemos aquela reestruturação judiciária, e a Assembleia Legislativa entendeu a necessidade de se fazer aquelas mudanças, autorizando inclusive que nós fizéssemos por resolução, como foi feita, toda ela. Então tivemos essa autorização para fazer a aglutinação, transformação de algumas comarcas. E aí naquela época deixaram de existir ao todo 40 comarcas. Eu chamo isso de uma modernização porque é só você ir atrás, quando você vê os tribunais mais produtivos, eles têm uma estrutura mais enxuta, eles concentram os recursos em algumas unidades e passam a produzir mais. Esse é o objetivo, né. E o interessante é que, quando nós começamos a aglutinar comarcas, os próprios advogados passaram a pedir que incluíssemos outras, porque eles viram que estava rodando o negócio. A gente tinha aqui o fenômeno das “comarcas sem juiz”, que nunca tinham juiz porque elas, como tinham uma baixa demanda, às vezes 300 processos por ano, como Catarina, Saboeiro, nunca tinham juiz porque o próprio juiz não quer ficar lá, porque na primeira oportunidade que tiver pede a remoção, o que é um direito dele. Então você tinha uma comarca pequena, mas com um acervo grande de processos parados, justamente porque esses juízes não queriam ficar lá. E aí gera outro problema, porque a gente não tem orçamento para ter tanto juiz assim. Então eram distorções que vão ocorrendo ao longo do tempo e, quando você percebe, a distorção já está grande. Aqui no Ceará mesmo, em determinada época, aconteceu que a Justiça se acostumou a criar varas sem criar cargos de servidor. A comarca de Maracanaú, por exemplo, surgiu com duas varas e tinha servidores para essas duas varas. Hoje, ela tem, se não me engano, sete varas e o mesmo número de servidores. Aí vai criando uma distorção onde você tem mais cacique que índio. Era natural, retrato daquela época, mas que nós vamos modernizando.

Washington Araújo, presidente do TJ/CE, visita o jornal O Povo e faz balanço dos seus dois anos na Corte. (Fotos: Deisa Garcez/Especial para O Povo)
Foto: Deisa Garcez/Especial para O Povo
Washington Araújo, presidente do TJ/CE, visita o jornal O Povo e faz balanço dos seus dois anos na Corte. (Fotos: Deisa Garcez/Especial para O Povo)

OP - Qual cenário que sua sucessora recebe agora no Tribunal?

Araújo - É um cenário muito bom, porque conseguimos viabilizar o Promojud (Programa de Modernização do Poder Judiciário do Estado do Ceará), que foi concebido na gestão que conseguimos fechar um financiamento com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) de US$ 35 milhões, todos investidos em tecnologia, automação. É recurso para investimentos que nós nunca tivemos, porque nosso orçamento vinha sendo limitado, todo ano só pagava a folha e sobrava muito pouco. Então pela primeira vez nós vamos ter uma massa de recursos a mais que isso, vamos ter um aporte de cérebros para fazer essa transformação do Tribunal. Eu imagino que vamos poder ter todos nós, o Poder Judiciário do Ceará inteiro, em um smartphone. Você, como parte de um processo, vai poder acessar seu processo, vai poder participar de uma audiência, se for testemunha pode testemunhar, pelo smartphone. Assim como o advogado, sem sair de casa, sem sair do escritório, vai poder trabalhar no sistema. O juiz também vai poder despachar o processo sem precisar mais de um servidor para elaborar um mandado, o mandado vai ser gerado automaticamente pelo sistema. É esse cenário, esse nível de automação e agilização, que eu imagino, e para logo.

OP - Algum mea culpa, alguma área onde o senhor teve mais dificuldades?

Araújo - Não, não tive dificuldades. Eu levei um secretário de finanças para o Tribunal, um técnico, o Marcos Coelho. E aí fez toda a diferença. Ele é aquele homem que vai atrás de todos os recursos. Ele chegou um dia para mim e disse ‘presidente, nós temos direito a esse crédito, e o Tribunal nunca pegou esse crédito. E esse dinheiro é nosso’. Eu respondi ‘e quanto que dá isso?’ e ele fez os cálculos, quando viu eram R$ X milhões, e aí o dinheiro de um dos nossos programas, o Mais Interior, foi assim. De repente, o cara me trouxe um dinheiro que era nosso, estava em caixa, mas ninguém nunca atentou para isso. Foi preciso vir alguém de fora, com hábito de fuçar contas, e aí conseguimos esses recursos. E aí começamos a reformar os fóruns do Interior, trocar mobiliário. Eu mesmo tive uma experiência pessoal, na minha primeira comarca, que foi Beberibe, não tinha fórum e eu trabalhava de favor nos fundos de um cartório. Não tinha uma folha de papel que fosse do Tribunal. Mas essa era a regra de todas as comarcas, quanto mais você recua, mais as condições eram precárias.

Washington Araújo, presidente do TJ/CE, visita o jornal O Povo e faz balanço dos seus dois anos na Corte. (Fotos: Deisa Garcez/Especial para O Povo)
Foto: Deisa Garcez/Especial para O Povo
Washington Araújo, presidente do TJ/CE, visita o jornal O Povo e faz balanço dos seus dois anos na Corte. (Fotos: Deisa Garcez/Especial para O Povo)

OP - Como foi a relação com a OAB na gestão?

Araújo - Foi muito boa. Olha, acho que nós estabelecemos um novo marco, porque nós acabamos com qualquer animosidade entre as instituições e passamos a ter um clima de cooperação. Fizemos muitas reuniões de trabalho e os advogados vinham para reivindicar, às vezes até coisas prosaicas. Como por exemplo, nós temos hoje problema de poucos servidores em algumas comarcas do Interior. Aí, em muitos casos, o juiz dizia ‘olha, não dê informação pelo telefone, porque se você parar de trabalhar para atender o telefone, a coisa não anda’. Era uma coisa ou outra. E os advogados eram ressentidos com isso, de não conseguir uma informação sobre processo por telefone. O advogado de Sobral que tinha, por exemplo, um processo em Coreaú, muitas vezes, se ligasse, não conseguia a informação. Aí ele tinha que pegar o carro e ir correr o que, uns 50 quilômetros, para conseguir informações de um processo. Eu achei essa ponderação justíssima e falei ‘ora, vamos dar a informação, por que não?’. E era algo tão simples, mas que fez diferença imediata. Outra vez o advogado me disse ‘ora, tem informação sobre um processo que não está na tela do meu computador’. E eu ficava confuso ‘por que não, se na minha aparece?’. E aí descobri que era porque algumas destas informações estavam marcadas como sensíveis. Então eu chamei o pessoal para ver o que era realmente sensível e, naquilo que não fosse, ficasse liberado o acesso dos advogados. E assim liberamos cerca de 200 informações diversas para advogados. Com isso, os advogados economizaram, porque deixaram de ter que ir para fórum para ter informação sobre processo, passou tudo a estar ali na tela mesmo. E tudo isso foi feito através de um diálogo simples, é bom. Antes não havia tanto diálogo. Tivemos gestões da OAB que se cacifavam na classe parece que batendo no Tribunal. E o Erinaldo (Dantas, presidente da OAB-CE) fez diferente, foi dialogar e, a partir desse diálogo, criamos esses grupos de trabalho. E foi interessante para a gente ter a visão que o advogado teve no processo, porque a visão que ele tem é outra, diferente da minha, né? E a partir daí a gente passou a aprimorar o processo, o que foi talvez um dos pontos altos da gestão, esse diálogo que se estabeleceu com os advogados. Foi fundamental.

OP - O senhor vai ocupar cargo na nova gestão do TJ-CE?

Washington Araújo, presidente do TJ/CE, visita o jornal O Povo e faz balanço dos seus dois anos na Corte. (Fotos: Deisa Garcez/Especial para O Povo)
Foto: Deisa Garcez/Especial para O Povo
Washington Araújo, presidente do TJ/CE, visita o jornal O Povo e faz balanço dos seus dois anos na Corte. (Fotos: Deisa Garcez/Especial para O Povo)

Araújo - Não não. Volto para a Terceira Câmara de Direito Privado.

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