Ex-comandante da Polícia Civil de Sergipe, o gaúcho Alessandro Vieira (Cidadania-SE) é acostumado a investigações. Centrista, aperfeiçoou o perfil político em movimentos como o RenovaBR. É opositor do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e também adversário político do governador de Sergipe, Belivaldo Chagas (PSD), e do prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira (PDT).
Ao lado do senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) mandado de segurança para abertura da CPI, ao que Luís Roberto Barroso disse "sim". Ele analisa que o presidente errou com ações e omissões, mas, ao projetar o desfecho da investigação, fala na punição de "gestores". Ele abriu o Zoom para uma conversa com O POVO. Confira os principais trechos:
O POVO - Por que nós chegamos até aqui com a necessidade de instalação desta CPI?
Alessandro Vieira - O Brasil enfrenta um problema muito grave nas três esferas de Poder, que é a desqualificação, o despreparo médio das equipes e dos gestores. Essa falta de qualificação gera escolhas equivocadas, é claro que você tem exceções à regra. Mas o Brasil vem deteriorando a qualidade da gestão pública há bastante tempo pelo excesso de indicações políticas, ou meramente políticas, e pelo decréscimo da importância do entendimento técnico, do saber científico. Essa é, na minha opinião, a raiz do nosso problema. Quando você é submetido a uma situação tão difícil, tão grave como uma pandemia - é, sem dúvida nenhuma, a emergência mais grave da humanidade nos últimos 100 anos - é natural que você tenha a exigência do máximo de qualidade para gerir a crise. Quando a gente precisou dessa qualidade, ela não existiu. Infelizmente, e em vários pontos, e isso deverá ser avaliado pela CPI, provavelmente provado pela CPI, em vários momentos você teve erros cruciais e erros que geraram essa situação. A gente teve uma pulverização de responsabilidades por conta da inércia do Governo Federal. Isso gerou um estresse na sociedade ainda maior, porque medidas aleatórias foram impostas totalmente diferentes entre estados, entre municípios, com constante boicote do Governo Federal. Isso gerou uma contaminação maior. E aí, como você disse, eu sou delegado de Polícia (Civil), formação na área de Direito, mas como senador eu tenho obrigação de buscar os especialistas na área que está sendo objeto da minha análise. Então, conversando com os especialistas, essa sequência de permitir uma maior contaminação, só pode ter uma consequência sempre, é matemático. Vão ser mais internados e mais mortos. E isso gerou o caos que a gente está vivendo.
OP - A gente tem um ambiente político de muito estresse no qual não há margem para formação de consensos mínimos, como em torno do uso da máscara, da importância da vacina. Qual é a avaliação que faz do governo Bolsonaro na condução da crise?
Vieira - O governo Bolsonaro, particularmente a figura do presidente Bolsonaro, não entendeu em nenhum momento a gravidade da crise. Ele foi mal assessorado, foi mal orientado. Ao invés de montar um comitê científico, ou pelo menos ouvir o seu ministro, que é a área da saúde, optou por buscar opiniões em outras figuras, várias delas lamentáveis, absolutamente obscuras e que geraram uma compreensão para ele, que nos primeiros 30, 60 dias, era justificável, porque ainda era uma surpresa muito grande e alguns países, poucos, mas alguns países defendiam a busca da imunidade de rebanho natural, confundindo essa epidemia do coronavírus com outras situações anteriores. Só que essa desde o início se mostrava diferente. E ao passar do tempo, nesse prazo que estou dizendo, 30, 60 dias, todo mundo foi mudando e ajustando a conduta. E aí, ajustando a conduta, você tem uma sequência de tomada de decisões que são absolutamente unânimes. A restrição no deslocamento das pessoas, da possibilidade de circulação das pessoas, que não é graciosa, não é porque alguém quer incomodar ou quer deixar alguém trancado em casa, quer cercear a liberdade. Qual é o governante que quer prejudicar a economia da sua cidade, seu estado ou seu País? Nenhum. A necessidade é reduzir o contágio, porque é uma doença altamente contagiosa, para a qual o ser humano não tinha defesas naturais. Então, o mundo inteiro, mesmo os que erraram no começo, corrigiram sua rota. O Brasil, não. O Brasil persistiu com toda arrogância, com toda ignorância, no caminho errado. O presidente por diversas vezes afirmou ou compartilhou conteúdo questionando a viabilidade, a razoabilidade e a eficiência de se usar máscaras. Ele e assessores. Então, você tem ações complicadas no meio do caminho a serem apuradas. O grande problema que nós temos é o de que a gente está no meio da pandemia, ainda. Então, identificar esses erros todos é importante, mas ao mesmo tempo a gente tem que começar a encaminhar as soluções.
OP - O senador Eduardo Girão reuniu as assinaturas necessárias para ampliação do escopo da CPI, que pode investigar todos os estados e municípios. Isso é viável? Qual vai ser o real alcance desta CPI?
Vieira - Eu não tenho como apurar uma questão do Sistema Único de Saúde sem questionar o que foi feito nos estados e nos municípios. Eu escolhi a solicitação de ampliação de escopo, como apresentei inclusive no final de semana anterior à leitura do requerimento. O Eduardo Girão partiu para a coleta de assinaturas, e eu fui também um dos primeiros subscritores, porque eu defendo muito que quem não deve, não teme, e você tem que fazer as apurações devidas. Então, no caso de Manaus, que é nominalmente citado, é absolutamente natural que sejam ouvidas as autoridades estaduais e municipais, porque se não a investigação para no meio. Sob o ponto de vista operacional, a primeira etapa é de grande volume de informações, então a gente vai ter que requisitar informações do Ministério da Saúde, Economia, provavelmente Cidadania, também, e estados e municípios. Toda essa parte, ela é digital. A gente recebe as planilhas digitais e vai fazer um filtro de análise nelas, vai identificar onde pode ter discrepância de informações. Com esse filtro e com o filtro da conexão que a gente está fazendo com a esfera federal, você reduz bastante o escopo, mas é importante sim fazer essa apuração, ela é viável. Tenho defendido a tese da criação da sub relatorias para que você possa fazer as coisas avançarem num ritmo interessante.
OP - Como é que vocês vão chegar ao número de cidades investigadas?
Vieira - Você tem requerimentos que certamente serão apresentados pelos senadores. Então, a gente deve receber solicitações dos membros, sejam titulares, sejam suplentes. Essas solicitações, requerimentos que serão votados pelo plenário da comissão, vão ser um norte para fazer isso. Porque é que certamente não é possível fazer? Sair pinçando pelo Brasil afora fatos para tentar tumultuar a CPI e gerar um volume equivocado de oitivas etc. Porque digamos que a menor cidade do meu estado aqui, Sergipe, porque Sergipe é o menor estado da federação e a menor cidade é Amparo. Então, vou solicitar a documentação de Amparo. Tudo está em meio digital, não tem problema nenhum. Agora, não posso sair querendo ouvir as autoridades da cidade de Amparo sem uma grande justificativa pra fazer isso na esfera nacional. Porque veja, uma CPI tem que ter fatos que tenham repercussão nacional. Isso significa, no tamanho do Brasil, alguma coisa.
OP - Quais são os depoimentos que podem ser mais esclarecedores?
Vieira - A gente tem trabalhado já, informalmente, nessa discussão do plano de trabalho. Me parece que o ponto de partida mais produtivo seria ouvir os ministros que passaram pela pasta da Saúde. Porque daí você vai conseguir fazer uma reconstrução, passo a passo. Evidente que o Governo Federal vai ser solicitado logo de início para que apresente as suas informações, me parece que ele já está inclusive providenciando isso. E aí a gente tem que ouvir os ministros para entender: por que é que o Brasil optou por não fazer isolamento, como outros países fizeram? Por que é que o Brasil optou por não fazer uma compra rápida de vários fornecedores de vacinas? São perguntas objetivas que vão permitir ter uma raio-x da tomada de decisão.
OP - A gente tem um cenário de 7 a 4 em tese desfavorável para o presidente Jair Bolsonaro. Sete deles são opositores ou independentes; quatro de perfil governista. O governo vai conseguir jogar seu peso para trazer senadores para defendê-lo?
Vieira - Eu não vejo essa força para que o governo possa impedir ou atrapalhar a investigação. A própria construção da CPI mostrou isso. Um governo que nunca teve no Senado uma grande base. Agora, em contrapartida, mesmo senadores independentes ou de oposição em regra evitam medidas que são absolutamente de politicagem, do quanto pior melhor. Basta ver o histórico de votações no Senado, que você consegue compor um consenso mínimo e fazer com que as pautas avancem. Acho que isso também vai acontecer com a CPI. Mesmo um senador de oposição que, a priori, só quer investigar Bolsonaro, ele vai rejeitar um pedido de informações de repasses federais para os estados? É muito improvável, porque ele não vai conseguir explicar isso para a sua base. Da mesma forma um governista, como é que ele vai votar contra a convocação de um ministro da Saúde? Acredito que a CPI, claro, vai ter seus pontos de debates mais intensos, e todo governo quer atrapalhar qualquer CPI, mas acredito que essa vá transcorrer, até pela gravidade dos fatos.
O POVO - No que essa investigação pode resultar? No impeachment?
Vieira - Ela vai seguramente responsabilizar gestores, não tenho dúvidas. Quando você compara a atuação do Brasil e de outros países, é muito claro que a gente teve aqui erros. Agora, que erros e qual é o alcance desses erros? Vai depender da apuração. Uma coisa que eu aprendi em 20 anos na Polícia é que você não deve começar pelas pessoas ou pelas conclusões. Você deve começar pelos fatos, materializando, passo a passo, e naturalmente as pessoas surgem e os responsáveis são identificados. Vamos fazer todo o trabalho técnico e seguramente a gente vai ter figuras públicas responsabilizadas porque o prejuízo causado é grande.