Logo O POVO+
"Estamos reconstruindo a área de prevenção (às drogas), que estava arrasada"
Aguanambi-282

"Estamos reconstruindo a área de prevenção (às drogas), que estava arrasada"

Nova titular da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas defende uma visão integrada sobre o narcotráfico, que inclua Saúde, Educação, Assistência Social, Cultura e órgãos de Segurança Pública
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Fortaleza, CE, BR - 25.04.23  - Seminário
Foto: FCO FONTENELE Fortaleza, CE, BR - 25.04.23 - Seminário "Drogas, vulnerabilidades e territórios urbanos no bairro Moura Brasil - Na foto: Marta Machado - secretária da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Senad/MJSP) (Fco Fontenele/OPOVO)

Marta Machado é a titular da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Senad/MJSP). Doutora em Direito e com experiência acadêmica e de atuação em áreas de direitos humanos, ela destaca a necessidade de reconstruir principalmente as ações de prevenção ao uso de drogas no Brasil.

Fortalecimento da comunidade, visão integrada entre setores e secretarias que perpassam a política sobre drogas, monitoramento de dados, fomento das organizações da sociedade civil e qualificação das ações penais. Essas são algumas das prioridades para a Senad no novo Governo Federal.

Marta esteve em Fortaleza participando do Seminário “Drogas, vulnerabilidades e territórios urbanos”, que reuniu gestores públicos e de iniciativas sociais de países da América Latina e do Caribe. A programação, que identifica demandas e oportunidades nos territórios vulneráveis, incluiu uma vivência dos participantes no bairro Moura Brasil, na Capital, próximo ao grande hotel onde o evento foi realizado. Conectar, vincular, olhar com outros olhos. As políticas públicas sobre drogas, para Marta, precisam estar perto das pessoas e se antever ao vício, à criminalidade e ao efeito devastador na Saúde.  

O POVO - Como você encontrou a Senad em 2023?

Marta Machado - Encontramos a Secretaria quase desmontada. Em 2019 (início do Governo Jair Bolsonaro), houve uma divisão que consideramos ultrapassada: o Ministério da Justiça só trabalhava com a redução de oferta, ou seja, questões ligadas ao microtráfico. E todo o sistema de prevenção foi para o Ministério da Cidadania.

Assim, a gente deixou de ter a visão integral da política sobre drogas, que precisa da Saúde, da Educação, da Assistência Social, da Cultura e dos órgãos de repressão. A Senad é o órgão que coloca todos esses setores para conversar. Dividida, ela perdeu a capacidade de articulação.

Estamos agora, no Ministério da Justiça (e Segurança Pública, pasta cujo titular é o ex-governador do Maranhão, Flávio Dino), reconstruindo toda a área de prevenção, que estava praticamente arrasada. Foi reduzida a um único tipo de oferta, que eram as comunidades terapêuticas, mas tem um outro leque de serviços que foi descontinuado.

O POVO - Quais são as novas apostas da Secretaria?

Marta Machado - Programas escolares. Existem dois programas internacionais, acompanhados há 30 anos, que foram trazidos e adaptados para o Brasil. Um para crianças menores, do ensino fundamental, e outro para a 8ª série, que já é para adolescentes. São os programas "Elos" e "Tamo Junto".

Há muitas evidências de que a aplicação desses programas nas escolas gera resultados concretos e significativos, tanto para a redução do abuso do uso de álcool e drogas, como prevenção de comportamentos violentos.

São programas que fortalecem as comunidades escolares e geram um ambiente de confiança nas escolas. E como eles são justamente para atacar fatores de risco social e fatores protetivos, onde está o fortalecimento comunitário, (eles) são interessantes. Com a crise atual das escolas (ataques coordenados), a gente acha urgente disseminar esses programas nos estados e municípios.

O POVO - A adaptação dos programas precisa ser bem minuciosa? Dadas as tantas diferenças culturais pelo País.

Marta Machado - Eles foram adaptados em 2013 (Governo Dilma Rousseff), traduzidos para conversar com o público das escolas. Agora voltamos a aplicar e monitorar, com o desafio da realidade que muda tanto, das redes sociais... também será desafio implantar, monitorar e ver as mudanças que precisam ser feitas.

Nós acabamos de inaugurar um programa piloto “Tô de Boa”, com 200 jovens em uma comunidade com o pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Rio de Janeiro. Oferecemos contra-turno escolar, bolsa para o jovem… a bolsa faz toda a diferença para esse jovem permanecer. As atividades são escolhidas por eles, que definiram hip hop, futebol e capoeira.

Tem ainda algumas oficinas profissionalizantes, como uma voltada para cabelos. Todos os jovens têm aquele cabelo bem estiloso, supertransado. Eles aprendem a fazer o que gostam, isso é uma construção deles como protagonistas do programa que irão seguir. E quem ministra as oficinas são pessoas da própria comunidade.

Estamos estudando como nacionalizar esse programa ou fortalecer iniciativas semelhantes, com foco na juventude. Não é só entrar com a repressão, a gente precisa oferecer alternativas lícitas para populações que têm risco de se envolver em atividades criminosas. A gente sabe que as facções criminosas têm um apelo muito grande em jovens com pouca perspectiva.

O POVO - Falando em evidências, temos números e dados que retratam a situação atual do Brasil em relação às drogas?

Marta Machado - Estamos reconstruindo, através da diretoria de pesquisa da Senad, o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas. Para que tenhamos dados para formular a política. Isso é muito marcante, porque temos muitos programas que precisam ser monitorados, para que a gente possa entender o que funciona.

É uma área muito complexa, as necessidades de cada pessoa também são algo complexo. O estado tem de estar o tempo inteiro diversificando o tipo de serviço prestado. Então, a gente volta a impulsionar pesquisas para pensar quais são as ofertas a serem feitas.

O POVO - Você destacou o papel da Senad na articulação, principalmente com as organizações da sociedade civil. Qual o peso desse setor na política sobre drogas?

Marta Machado - Lançamos alguns editais para fortalecimento dessas organizações, que trabalham com coletivos, com projetos de reinserção social. Decidimos trabalhar com alguns grupos vulnerabilizados, que muitas vezes são assistidos por essas organizações: mulheres, população indígena, população negra e periférica, crianças e adolescentes, e população de rua.

Já lançamos essa estratégia para mulheres, com um edital de R$ 1,5 milhão. Em agosto, lançaremos a segunda leva de edital, totalizando R$ 6 milhões.


O que você achou desse conteúdo?